Voto de Minerva

Renunciar a liberdade por um medo maior que é arriscar a tê-la oriundo das responsabilidades que advêm dela, é perder-se num dos dilemas mais atormentadores da vida. Você de fato pode estar livre para transitar nos limites do que acredita, entretanto, todos se encontram enclausurados em suas próprias atmosferas, o que os impede de ver além da penumbra das possibilidades e gera conflitos que dilatam dia a dia as confluências sociais que impedem a convivência mútua de forma pacífica. Não se pode deixar de tomar uma decisão concisa ante os últimos acontecimentos da vida por meio da razão, pois viver é reavaliar-se e auto avaliar-se constantemente como exercício de aperfeiçoamento, ainda que a estabilidade emocional seja a Shangri-La almejada por todos, desfrutar quotidianamente deste estado torna-se cada vez mais um feito para poucos, é quase que uma ideologia estar bem na maior parte do tempo dentro dos limites do equilíbrio, já que é sabido que os extremos devem ser evitados ainda que o estresse nos rodeia a todo tempo mostrando-se dominante. Mesmo que a vida seja a caminhada numa corda bamba com os ventos turbulentos da ansiedade a soprar-nos a face e a gravidade a puxar-nos para baixo, ainda assim desde muito cedo torna-se inevitável deixar de optar pelo óbvio (que é partir em busca do essencial livrando-se das bagagens adjacentes que servem apenas para aumentar os custos da viagem) uma vez que a própria vida se encarregará de apontar-lhe o quanto antes tal direção. A crença que lhe ampara deve se sobrepor à realidade que lhe prende e o cerca, pois é somente no íntimo de sua fé que se pode obter a força necessária para superar as dúvidas que lhe afligem na ânsia por seguir sem rumo na corda tênue que lhe sustenta, pois a fé torna-se a sinalização apropriada para regrar-lhe na travessia.

Há quem renuncie a fé, crendo existir uma certa contingência na confiança, pois ela é cega e na ausência de luz todos os passos estão fadados ao tropeço; na ausência de luz faz-se uma ode à morte, já que a ausência de luz é a própria morte. E de certo, há uma certa forma de desprazer na confiança, daquelas típicas de quem sabe que não é possível confiar a todo tempo em cem por cento das vezes, e por tal motivo duvida, e isto para aquele que tem fé é o pior dos martírios, pois joga por terra anos de certezas e de esperanças acumuladas em algo que se torna a base central do seu viver e o alicerce mor de sua espiritualidade, e duvidar é indubitavelmente a pior forma de fraquejar para aquele que se firma inteiramente num credo, o mesmo que para alguns lança o desafio árduo da crença às cegas, os modernos “são Tomés” de prontidão. Há também uma certa forma de ego na esperança, daquelas que se sobrepõem e fazem pouco nas demais crenças que tornam mista a salada da fé. Sim, há uma arrogância leve ou moderada nas frestas, subentendidas nas entrelinhas do comportamento de todo aquele que crê e tem cega esperança nos pilares que se firma, ainda assim arrisco-me a dizer que toda esperança é em vão quando se mata dentro de si (nem que seja por milésimos de segundo) o amor: o amor à tudo que lhe seja alheio.

Toda renúncia é uma forma de rebelião iniciada no íntimo daquele que se revolta, seja pela pressão, pelo medo, pela cobrança demasiada, o ato de estender a toalha revela um desabafo de alguém que se vê picotado pelos conflitos internos que somente ele consegue ouvir no silêncio de suas omissões. A renúncia é parte da dignidade humana, faz do ato de viver um fardo mais leve para aqueles aos quais ele assim se apresenta, traz alívio às dores emergentes que não suturam, abrindo novas possibilidades que até então estavam encobertas pelo horizonte turvo da resistência. A renúncia é o voto de Minerva na íntima assembleia emocional dos desesperados. A vida é um grande mistério para os deslumbrados e uma velha conhecida para os que mantêm desde muito cedo os pés firmes nos solos da realidade. No mais, aqueles que sabem driblar suas investidas antes mesmo de alcançarem o meio de campo, tem grandes chances de comemorar o gol da vitória logo no final de cada partida. A vitória é como uma refinada iguaria que não deve ser degustada num contexto qualquer. Assim como não nos vestimos a caráter à toa, ou separamos nossos melhores trajes para ir correr, dormir ou ficar em casa (como fazem no oriente médio), assim também deve ser encarado o sucesso em suas mais variadas formas. Certas coisas na vida são privilégios de momentos únicos que se assim não fossem, não despertariam a emoção que despertam, nem marcariam a memória como marcam, pois é o ineditismo de uma cena que a torna inesquecível e emocionante.

Há ainda uma certa forma de confiança na espera, tão sólida e tão antiquada (com certa arrogância e prepotência), que ao menor sinal de contrariedade  revela sua face escura até então ocultada pela aura da castidade e reverência em nome da fé. Há um certo grau de desdém nesta espera, daqueles que omitem a parte da cartilha que diz “maldito o homem que no mesmo confia”, ao passo que sacrifica seus últimos resquícios de vitalidade no intuito de nutrir algo que só existe em completude e vigor em sua mente lacrada e isolada distante das possibilidades e das leis impiedosas que regem o mundo ao seu redor, passando a confiar no fim das contas em si mesmo. Sim, há um certo desequilíbrio nesta esperança, no entanto, a fé é a certeza naquilo que ainda não ocorreu e sob este viés, em alguns casos a decepção será inevitável, pois não é preciso bola de cristal para prever o óbvio. Maldito todo aquele que confia nos semelhantes, nos mitos e nos reflexos opostos do espelho.

Há sim uma certa forma de confiança na espera, assim como o regresso do bumerangue é aguardado por quem o lança, assim, de mesma forma devemos ter esperança em algo para que o caráter lúdico da vida não deixe de existir, apagando assim a chama que mantém aquecida toda alma sonhadora. Não obstante, se não raciocinamos sobre as atitudes a se tomar, o silêncio leva a culpa pelos erros dos quais não pedimos perdão, e é bem assim que também vão-se embora os afetos pouco a pouco pelo ralo das impossibilidades. Quando se permanece acomodado numa situação pouco favorável para mudanças, o pior dos pesadelos é a possibilidade de um estouro repentino, quando as circunstâncias se apresentam instáveis e prestes a desencadear em rompimento. A possibilidade das coisas não darem certo sempre aparecem no horizonte como o sol prestes a nascer. A melhor posição a se assumir entre conflitos e debates que se apresentam como divisores de água é a neutra, uma vez que a neutralidade nem sempre se apresenta como característica de alguém que não sabe por qual dos lados apresentados optar, mas sim na melhor das hipóteses, a de quem quer ter sua paz preservada, uma vez que a razão vale muito menos do que a paz, e a paz, de tão cara, vale qualquer esforço ou sacrifício para que se permaneça intacta e intocada, mesmo que seja por momentos breves em tempos fluidos.

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