Receber de alguém um bom dia é muito bom, mas é receber bem de manhãzinha enquanto o dia ainda está apenas começando, para que o cafezinho que venha em seguida tenha um gosto leve de satisfação por saber que mesmo havendo dificuldades ou problemas a serem resolvidos, ainda assim há a certeza de que alguém em algum lugar está torcendo por você. Desejar bom dia é um nobre sinal de resiliência; um indício valoroso de empatia; uma pequena e significativa manifestação de amor. Um bom dia sucede o escuro da noite estrelada, onde em silêncio tantas criaturas transbordam pelo céu como um sinuoso rio em estação de cheias; um bom dia é tão agradável quanto a flor que lustrosa enfeita o ambiente cru e frio mesmo inerte no jarro de água; o bom dia é uma saudação que alegra o despertar da alma e o abrolhar do espírito, bem como o afinado canto dos pássaros canoros, ou o esganiçado cacarejar do galo garnisé; do tartamudear do casal emplumado pousado na cabaça marrom que pende no guieiro da varanda sob a luz do sol nascente cor de abóbora, a qual serve de ninho e lar onde eles perpetuam sua existência por intermédio da união. Ali existe amor; nestas pequenas coisas roceiras, corriqueiras, neste agradável cotidiano individual, aqui sim existe o amor, pois o mormaço do coração faz aquecer a alma! Amor é crer que é impossível que do nada surja nada sem a intervenção de alguém, porquanto em tudo que foi minuciosamente criado pelas mãos de um Deus tão grandioso, nas entrelinhas de um breve acaso que faz brotar um sorriso no rosto que há poucos instantes chorava, na poeira cósmica que não se enxerga a olho nu, ou no calor da emoção que precede uma fala, no grupo de tecidos e células que compõem as partes vibrantes das cordas vocais, em tudo o amor se revela, pois criar é um ato de amor. Em tudo ele se esconde como uma molécula à parte que se desprendeu de todo resto; sinto-o emanar de todos os cantos como mormaço do sol na terra ou vapor de água na maresia, como se fosse uma força onipresente que enfeita os instantes mais simples que se possa pensar, que ninguém parece perceber por estar indevidamente distraído com as desimportâncias do mundo alheio. Um simples bom dia pode romper todo este marasmo que nos rodeia.
Amar não é nenhum crime; não desejar bom dia!, isso sim é um delito; crime é ter medo de amar por receio do que vai lhe acontecer em seguida, já que para amar é preciso estar disposto a tudo inclusive ao risco de ser rejeitado, porém, isso não importa tanto, já que não é você quem perde ao ter rejeitado seus sentimentos mais íntimos e verdadeiros, todavia, é o único culpado por tê-los ofertados a qualquer um. De maneira contrária, o ato de desejar bom dia é cogitar ao outro tudo que talvez você não tenha, mas que se sente imensamente feliz que o outro venha a ter. Porventura, seria melhor não pensar tanto em ser correspondido pelas coisas que se faz e esperar recompensas pelas ações que se pratica, afinal, a reciprocidade é uma ocorrência que se dá interiormente, isto é, parte de nós em direção ao outro, nasce de dentro para fora bem como o maravilhoso processo de dar a luz. Nem sempre o recíproco é definido apenas como aquilo que retorna na mesma proporção; não confunda reciprocidade com lei do retorno, pois este soa mais como um ato de pagar os males feitos a alguém ao invés de indicar uma forma de correspondência mútua. Decerto, este seja o maior dos erros que nos envolva, visto que não nos foi ensinado da forma devida a prática de amar a esmo, sem que seja oportuno estarmos tão apegados ao retorno, pois dar com a intenção de receber é de certa forma uma cobrança, ao passo que conceder puramente por confraternidade é estar livre das amarras nas quais a dependência emocional e egoísta pode nos aprisionar. Amar é deixar levar sem ativar o modo ocioso de troca, é se esvair sem se importar com o que ficou para trás, é partir sem voltar para buscar as malas, é tocar um acorde sem ficar para ouví-lo ressoar, é colocar lenha numa fogueira que se encontra prestes a se apagar sem ficar para ver a chama se reacender espantando para longe a esterilidade da escuridão, é praticar uma doação sem ficar para ver o sorriso de gratidão surgir no rosto do contemplado, pois a maior recompensa que se pode receber é aquela satisfação gerada dentro de nós em decorrência de uma iniciativa efetuada. Amar não é nenhum crime; crime mesmo é viver sem empatia, matando a cada dia o sentimento de gratidão no coração daqueles a quem viramos as costas, e mesmo que não se creia neste fato, um simples bom dia tem um poder magistral que ambos os adjetivos do dicionário juntos não chegam a ter.
Dizer bom dia é em outras palavras dizer “eu me importo”, é bradar em alto e bom som “você não está só”, é dizer sem titubear “eu me preocupo!”, pois numa frase simples muitas coisas maiores podem ficar subentendidas. Mas a correria capitalista da sociedade industrial, temperado pela urgência e mergulhado no stress, faz com que o cotidiano se transforme na maior barreira impedindo que sejamos seres empáticos, e um bom dia!, coisa mais fácil de se dizer, se torna raro de ser ouvido. Empilhados como dívidas nas cômodas empoeiradas, os corpos se movimentam a esmo como a toques via força motriz, passos mecanizados, sonhos amarrotados na carteira, esperanças amassadas depositadas no bolso de trás; olhares vidrados e sem foco, andanças descompassadas semelhante aos figurões novatos das peças de um teatro improvisado, dos malabaristas pouco habilidosos dos circos amadores, dos leigos que se arriscam em passos tresloucados de um pagode russo, se esgueirando a torto e a direito sem rumos muito certeiros; viver é colecionar detalhes, no entanto, eles não mereceriam tanta atenção assim se não fossem eles o cerne de todas as narrativas destas crônicas aleatórias dos dias comuns, por isso, desejaria ouvir bom dia a todo momento repetidamente como se fosse um mantra ou um protesto gritado em uníssono, até que o mundo virasse do avesso e deixasse de ser tão cruel; sem aquela loucura que tumultua a convivência, sem aquele cuidado enorme em não perder a hora, sem a culpa de ter falhado, nem os contorcionismos exigidos para não perder a razão, nem o apego ao status acima do respeito pela vida; cansei de ver rostos de cera sem brilho e sem contorno e formato perambulando em ambas as direções, içados sobre pescoços cerrados pela corda do desespero portando sobre si as marcas da apatia, pois os fantoches também caminham, porém, sempre movidos pelos dedos manipuladores de um terceiro; o que mais entristece é saber que ambos ignoram o fato de que um simples bom dia tem o poder de desatar os nós que arrocham tais amarras.
Sensacional!
Vou levar para AMCL.
Você é meu patrono e merece.
Abraços de car8mho
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