Fui tão ingênuo em acreditar não estar sozinho nessa, aliás, sempre promessas e saudações calorosas são declaradas a meu favor e me sinto de fato amparado, o que incomoda bastante é que logo descubro amparar-me quase sempre nas mesmas cercas podres de arame farpado. As coisas mudam de repente, da mesma forma que as estações trocam de cor a atmosfera e brincam com os indicadores dos termômetros, ou como a noite se despe de seu véu dando lugar à luminosidade do dia; caio no esquecimento, logo ao despertar dos sonhos, do mundo de paz e da suspensão dos sentidos, e as manhãs perdem o cheiro do orvalho, as coisas em sua maior parte perdem o sabor e as circunstâncias logo cuidam de dar a elas um gosto diferente, um que não os cinco já conhecidos pelo paladar desde pequeno e não há sobremesa alguma que possa adoçar a boca após cear neste banquete de amarguras; e a coisa piora com o passar dos anos, pois uma vez que se serve destes pratos atípicos, nunca mais o paladar degusta a existência com o mesmo sabor daqueles tempos remotos. Quiçá fossem, em sua grande maioria, boas novas que esse tal destino forrado de ilusões se encarregasse de trazer e deixar às nossas portas, como papai Noel o faz com os presentinhos deixando-os nas meias rasgadas e fedidas de chulé penduradas sobre a borda mal acabada da chaminés da lareira, ou nos casos de maior miséria, uma chaminé qualquer do velho e depredado fogão à lenha, para onde desconfio que o tal velhinho sequer se atreve a olhar, já que os pobres só têm valor para Deus que garimpa os corações ao invés da conta bancária, seja ela corrente ou poupança.
A felicidade é um fenômeno amplamente complexo que exige averiguações mais profundas do que apenas uma citação avulsa ou alguma afirmação independente pautada em critérios particulares, no entanto, no tangente às propriedades sentimentais, posso afirmar que a felicidade se esconde em pequenos cantos, em rachaduras ou brechas que surgem no momento oportuno na vida da gente, seja após um turbilhão de problemas que abalam a nossa estrutura, seja após um safanão daqueles que a própria vida se encarrega de nos dar fazendo com que elas surjam. Porém, estes abalos podem ser um pouco mais fortes do que o tolerável, e os resultados são dados em corações partidos. Corações quebrantados exigem uma força extraordinariamente maior para que todos os seus cacos sejam juntados novamente, deixando por fim expostos apenas os limites exatos de cada rachadura. Colar e recolar, é assim que deve ser o procedimento para se tratar um coração magoado! Embora sejam tantas as armadilhas bobas nas quais caímos, ainda assim não vale a pena jogar pedras em meio aos escombros espalhados de um coração estilhaçado; afinal, os vasos mais valiosos nos leilões dos museus são aqueles antiquíssimos, que apresentam diversas rachaduras em sua superfície arranhada, deixando transparecer o seu valor acumulado ao longo do tempo em função da resistência a diversas variações de pressão atmosférica e climática; em outras palavras neste caso, quanto maior o número de marcas mais válida é a peça, e a partir desse fato, talvez o vaso que não quebra sob nenhuma circunstância (como nos deixa a par o dito popular), não seja de fato o ruim, logo levando em conta as leis da física e da gravidade no mundo real, mais caberia a utilização do termo “vaso bom não quebra fácil”, já que materiais de baixa qualidade, ao menor tranco, ao menor dos impactos se partem aos milhares de pedaços que não valem mais a pena serem colados… e as pessoas não deveriam ser tratadas como tal.
Não sou nenhum doutor em física para mencionar com detalhes meus pontos de vista acerca do assunto, mais sei o suficiente sobre o amor para afirmar que as pessoas se amornaram muito, seja por medo, seja por apatia, não se pode afirmar ao certo. Decidi por um ponto final neste capítulo, não quero mais viver pensando em como seria a vida compartilhada com alguém especial, e também não gostaria de perder o entusiasmo quanto a isso, o que procuro e creio ser uma importante meta de vida é o alcance do meio termo, mas não creio ainda estar velejando por águas tão calmas tendo a vela que me direciona soprada por ventos amistosos e pacíficos, embora a quântica que movem os cata-ventos da minha imaginação sejam os sons da natureza e o soprar leve do vento que traz em sua composição assobios de pássaros e gemidos de prazer, que pegaram carona enquanto ele estava de passagem pelo mundo noturno, forrado apenas pela imensidão do céu cravejado de estrelas e nada mais, roubando os olhares voltados para a lua minguante e fazendo voltar os ouvidos para sua direção, ainda assim, não almejo ter a pretensão de ambas as partes que englobam esta questão. Além do mais, sofro de astigmatismo quando busco o foco dentro do foco de outros olhos, já que nestes posso não encontrar a mesma sintonia que os meus; me torno míope quando busco outros pontos nos quais fixar meu olhar que não os meus próprios aforismos, e no momento em que todos estão distantes sofro de hipermetropia, e tudo ao meu redor perde por completo o foco, busco ao longe aquilo que só pode ser encontrado dentro de mim, mas que sob estas condições me encontro cego demais para enxergar. No fundo sei que estou clamando pelo desgosto, já que estes sentimentos estão encarcerados dentro de mim, e sei que se caso forem liberados, logo serão abatidos por mãos cruéis que vagam aqui fora, e a duros golpes, como se fosse uma fera qualquer ameaçando atacar, os mesmos seriam aniquilados sem compaixão.
Por isso ressalto com essas emoções a me entalar na garganta não ser um especialista em assuntos desse tipo, mesmo que de vez em quando eu até arrisque alguns palpites mal elaborados no calor do momento deixando escapar mal balbuciadas algumas palavras inaudíveis através lábios ressecados dos quais certos ouvidos estão blindados contra, sendo que ao mesmo tempo que luto contra a repreensão, dou asas aos pensamentos deixando que os mesmos me levem às alturas e depois me lancem lá do alto sem paraquedas. Mas engana-se quem pensa que não tenho domínio algum sobre isso, estou apenas refém de sensações que me nego deixar de lado, pois de ilusões eu entendo muito bem, e passado o susto, os iludidos sentem mais medo da reincidência do que os demais; ilusões fazem com que percamos o entusiasmo por aquilo que antes era desejo, relações ilusórias acabam por trancar as portas do coração deixando de fora todos os que insistem ainda em bater. Ademais, nunca deixei de lado aquela velha mania de sempre colocar tijolos em paredes desniveladas, e na ânsia por ver o muro pronto, acabei me esquecendo de construí-lo num solo firme; esse muro nada mais é do que uma metáfora desesperada afim de ilustrar a forjada construção de uma bela história de amor, e em matéria de afetos sou um péssimo pedreiro.
No entanto, não me convém julgar as coisas como elas são por achar que a minha opinião tem algum valor específico, bom, ela até tem, as neste caso eu prefiro resguardá-la pra mim mesmo, as melhores cartadas é bom que fiquem guardadas na manga para que sejam jogadas em algum momento de maior importância. Apesar de tudo, mesmo que não aparente ser, minhas desilusões afloraram em mim um espírito maior de empatia por mim mesmo, algo que sozinho não fui capaz de retroalimentar e cultivar a cada dia, como se faz a um jardim que se almeja ficar bonito na primavera. E por falar em flores, até nesse instante me bate um certo vazio, mas não é por me lembrar da morte, ou de alguém querido que já partiu rodeado por elas, e sim me recordo de quantas e quantas vezes escolhi por horas o melhor jarro, o melhor vaso ou buquê para presentear alguma mulher que amei; bem, valeu a pena todo esforço já que meu amor pelas flores é incalculável e minha admiração igualmente gigantesca, embora tenha me cansado de tais atos adquiridos pelo consumo em exagero de filmes românticos, e agora cultivo as flores para mim mesmo, afim de que seja eu o presenteado da vez com um perfume diferente a cada manhã, ademais, ilusão de ótica pode ser qualquer coisa que confunda, bem como um olhar aguçado ou um sorrir espontâneo que nem mesmo milhões de espelhos poderiam ser capazes de refletir com o mesmo encantamento que o original, pois há coisas que são únicas, tão únicas que nem mesmo as cópias mais cuidadosamente bem feitas podem servir de consolo diante a falta do original, e foi seguindo esta lógica que passei a me valorizar e a me amar de verdade.
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