Tudo bem? Como vai? Para os mais íntimos e desavisados que são escravos da dura rotina e da corriqueira demanda do dia a dia, sabem bem do que se trata carregar um vazio que pesa mais que toneladas dentro de si, o mesmo que na certa devora a alma destes que saem desesperados, deixando para trás apenas os rastros e vultos de cor escura gerado pelo paletó ou pela gravata que obedece fielmente à lei da inércia, e no seu inconsciente estado de fino tecido, recua, mas no entanto continua em movimento pelo soprar do vento que contorna aquele corpo ansioso, guiado na certa em piloto automático, se embrenhando por este mundo maluco, infiltrando-se na atmosfera de um outro ainda mais desorientado. Para estes que se identificam gritando eu e levantando as mãos dentro de suas conturbadas imaginações, sabem bem do peso e da veracidade desta narrativa feita a algumas linha acima; já se tornou tão natural e rotineiro passar por alguém cumprimentando-o e logo em seguida, lançando-lhe rapidamente às mãos o peso morto e morno da responsabilidade de responder imediatamente a tal questionamento: o que fazer? Dizer que está tudo bem, seguindo o costume (e como o povo se habitua aos costumes), ou simplesmente abrir o jogo e como numa tentativa desesperada de fixar-se a qualquer sinal de ajuda que seja, despejar por terra suas mazelas e abrir o jogo? Certamente não será apenas o costume a lhe amordaçar a boca neste momento atenuando a gravidade deste cárcere, o medo dos julgamentos e das interpretações distorcidas na certa gritarão mais alto dentro de si, e a propagação deste berro sobrenatural silenciará de uma vez por todas aquela pobre alma ferida e cansada.
Afinal, o costume é tão forte que não é raro esta mesma boca que entoa a pergunta, seja a que faça parte daquele mesmo corpo humano que sem nem mesmo esperar pela resposta, já ouvindo-a abafadamente tocada pelo ar que se forma entre os dois, revela o quão popularesco se tornou o desinteresse pelo ser alheio, e segue seu percurso sem culpas ou comprometimentos. Ocasiões como esta obrigam-me a deixar de lado cada sensação imaculada que guardo comigo, já que este medo incontrolável é absurdamente antônimo àquilo que sonho pra mim, ao passo que penso ainda haver uma saída deste cárcere maldito que me corrompe, no entanto este caótico cenário me impede de atuar livremente e sem influências neste teatro ignóbil, despido de minhas desilusões, já liberto do halo das dores, acima do pandemônio e do cogumelo de fumaça que esta bomba de eventos catastróficos gerou ao explodir; então, despido de máscaras e fantasias tolas poder deixar de lado o temor em vangloriar-me desnudo e consciente pela passarela da glória, onde apenas os que encontram a paz que está fora dos algoritmos e das leis estéticas impostas, é digno de desfilar sem que seus pés sejam feridos por farpas ou as pernas entrelaçadas por arames.
O carnaval da vida dura o tempo inteiro e é incontáveis vezes menos divertido do que o tradicional; trata-se de um carnaval porque tudo é uma piada, tudo é fútil, irrelevante e sem duração além de algumas poucas horas amontoadas em segundos; trágica, porque os eventos cômicos desencadeiam consequências macabras, e como que num efeito dominó, tudo vai desmoronando até que reste apenas pedra sobre pedra. O ambiente repulsivo destes restos mortais em que me encontro não permitem ficar a par daquilo que irei protagonizar logo à frente no próximo ato, uma vez que os alvos mais próximos são os mais visados, sendo que atirar flechas à longas distâncias se tornou uma atividade, ou no melhor dos casos um esforço no qual apenas os imbecis ainda insistem, ficou tão fácil pescar neste mar de superficialidade que cospe para fora os peixes, os mesmos que andam devorando uns aos outros em tentativa de diminuir o volume desta contenda estúpida. Entre alvos e flechas, ando preferindo não ser nem mesmo competidor, já que as flechas andam me machucando e sou alvo apenas de sanguessugas que fazem uso de mim como bode expiatório, companhia para passar as águas, ou algo qualquer que não ultrapasse a casa dos segundos de duração.
Sinto tudo medido em gotas, como uma pipeta qualquer que encapsula o tempo; o colírio que outrora utilizei para refrescar meus olhos ressentidos e ressecados, agora jaz esquecido e abandonado num canto qualquer escurecido da casa; fui abatido, e por assim dizer agora meus olhos entraram numa estação chuvosa e úmida, uma nuvem de lágrimas que engole meu rosto como a neve de uma avalanche devora o que quer que seja que esteja pela frente, as correntezas são de muitas saudades, mas em sua maioria de lembranças culposas, remorsos arquivados e medos que se propagam em meio a este escarcéu de coisas negativas, ambas descem pelo meu rosto, morrendo logo em seguida no poço escuro de minha garganta, já que eu mesmo bebo minhas próprias lágrimas como um vinicultor que prova com gosto cada safra nova que produz, e com elas mato a minha sede buscando afogar os meus remorsos antes que eles o façam comigo; sede esta que tem me castigado dia e noite, como gado em climas áridos que usa até a última molécula de açúcar embrenhada em seus músculos para se manter de pé; as nuvens da melancolia costumam ser mais intensas que as cumulonimbus, e diferente destas, não se esvai tão rápido após despejar todo seu conteúdo pluvial.
Adoro finais, são surpreendentes, e apesar de ainda não ter chegado ao meu derradeiro fim, já vivi e presenciei muitos fins que ocorreram às pampas neste meio; o choro sempre foi minha forma de fuga preferida, é como alicate hidráulico rompendo as correntes deste cárcere, permitindo que as lágrimas, agora de libertação, minem dos cantos inchados dos olhos como uma nascente de água pura e cristalina que surge após a passagem do pranto turvo que precede a este, já que antes da glória o sofrimento é sempre o caminho mais curto.
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