Assistir à séries e filmes é uma prática que, a grosso modo, esterca meu imaginário, lançando no solo de meus pensamentos novas sementes prontas para germinar; não seria este o ambiente perfeito para semear algumas flores? Embora nem tudo que a ficção oferece (na verdade a maioria dos fatos) seja possível de se reproduzir no mundo real, ainda assim julgo valer muito a pena expandir o estoque de possibilidades, o inventário deste cômodo fabuloso, uma vez que será nele que me refugiarei quando as coisas apertam por aqui do lado de fora. Apesar de muitos acharem mais sofrido sonhar acordado, para mim é essencial viajar sem sair do lugar para contemplar as belezas do irreal. Esse ambiente sombrio, busco clarear com a luz dos meus olhos de menino investigador, que transcendeu a ordem natural das coisas, e sobrevive nos recônditos do meu ser, e me faz rememorar que todos somos eternas crianças e por assim ser, perder a esperança é algo fora de cogitação. Sem sombra de dúvidas é pandemônico o nível de exigência de terceiros quando se trata de imaginar uma vida alternativa; dinheiro, riquezas, luxo, mulheres, enfim, isso é o que a maioria almeja logo de cara quando a proposta de pensar numa vida que queriam ter é exposta, o que acaba impactando no modo como valorizamos aquilo que realmente temos, fomentados quase sempre pelos elementos midiáticas, ficcionais e utópicas apresentados também em alguns livros, entretanto, a imaginação deve ser utilizada como uma aliada ao bem estar do corpo, buscando sempre pensar em coisas agradáveis, que nos satisfaça por alguns instantes, como uma espécie de meditação. Mas ao invés disso, utilizamos nossos recursos secundários de refúgio mental como objetos que ferem nossas próprias convicções acerca da realidade, objetificando pessoas, menosprezando coisas, revelando a podridão que nos compõem quanto deveríamos nos esvaziar delas. Os homens sempre vacilam mais nessa parte, infelizmente, a imaginação em alguns casos corrobora para libertar os monstros que estão refugiados no lado escuro da personalidade humana.
Não exijo muito, bem sei que não sou digno de tal feito, e mesmo que me julgasse ser, ainda assim não me deixaria seduzir pelas armadilhas desta fantasia. Nada mais preciso desejar além de um jardim paradisíaco com algumas jardas de extensão, ou quem sabe, uma ilha isolada sem qualquer contato com a globalização escravista que devora o planeta? Seria mesmo de uma paz sem precedentes, ao passo que para ser feliz não é necessário ter muitas coisas, e sim fazer do pouco que se tem um importante artifício para perpetuar os momentos agradáveis, além do mais, nada como passar a vida ao redor das plantas que além de não decepcionarem ainda presenteiam o ano todo com flores de todos os tamanhos e cores. Desejar uma vida de paz é uma ideologia que se perpetua nos muitos corações por aí afora, o que não significa que seja feito de modo correto, haja vista que o mundo em detrimento das ações humanas vem se tornando um ambiente cada vez mais difícil de manter são o ambiente psicológico. Uma vida feliz depende estritamente dos atos, uma vez que as consequências destes se propagam até o fim dos dias de alguém, como um grito interminável ecoando no abismo da mente, todavia, a vida exige escolhas, e em algum momento elas terão de ser tomadas de modo injusto e em um lapso temporal repentino.
Quanto a isso, sou meio suspicaz em falar a respeito, tendo em vista que surpreendentemente a vida já me sorriu algumas vezes. Sorriu, e com terno brilho nos olhos acenou em minha direção como uma donzela compadecida ao despedir-se de seu amado no porto ou no cais de um lago qualquer. Entretanto, de alguns anos pra cá me tornei mais segredado em minhas convicções, e não estou mais tão habituado a sorrir nem a reagir a sorrisos que me são dados, e para piorar ainda mais esta empreitada, meu temperamento complicado levou-me a fechar os punhos com certo ódio a pulsar nas veias e golpeá-la diretamente no rosto com um gancho de direita que quebrou-lhe de imediato quase todos os dentes daquela boca debochada, porém meiga e enganosa; neste caso isolado, fui eu quem agredi a vida buscando fazer justiça com meus próprios recursos, no entanto, ela sabe muito bem retribuir as investidas contrárias que recebe, e narro com grande aperto no peito as consequências deste dramático ensaio, que foram drásticas e graduais. Só fui perceber a burrada que havia feito e o preço a se pagar por ser rebelde depois de um longo tempo, quando ela, bem mais precavida e atenta aos fatos (talvez, por ser amante do destino; uma meretriz na imensidão do tempo) que mim, havia reconstituído seu sorriso e com uma bela prótese diga-se de passagem, enquanto eu, agora mais calmo e compadecido, testemunhava a ranger os dentes consequências dos meus atos não calculados, suscitada pela arrogância que tomou por completo o meu ser como uma lepra ordinária corroendo a pele, mas que antes de tudo despe a alma de seus arrogos, e semelhante a uma densa catarata impossibilitou-me a visão para enxergar os rumos tomados me conduzindo por caminhos escuros terminados num pântano lodoso. Este é o ápice do sofrimento; o sofrimento dos sofrimentos, por auto sabotagem, quando não se possui amor por si mesmo.
Aquele suave trevo de quatro folhas que de súbito veio parar nas minhas mãos, em plena confiança nelas depositado, não foi capaz de se manter verde! Que desgosto imaginar que esta forma tão ilustre e desejada, concebida pela natureza e forjada na mente humana em decorrência do linguajar popular consolidando-se como amuleto de sorte e artigo que representa tamanho sortilégio para os pagãos, esteve entre meus dedos secos e calejados, mais precisamente entre o polegar abelhudo e o indicador cagueta, fazendo pequenos movimentos giratórios entre eles, enquanto meu olhar compenetrado focado no mesmo, era o prólogo silencioso que se mesclava à prévia velada de minhas memórias que se passavam feito um filme por detrás das desfalcadas vitrines dos meus olhos castanhos. Que tragédia! Um lapso de memória invade-me; eu simplesmente permiti que este trevo que é tão desejado por muitos, cair ao chão e ser pisado inúmeras vezes enquanto secava lentamente em função do calor escaldante que se apresentava fazendo jus ao mês de agosto, despedaçando-se, deteriorando-se, revelando assim a fragilidade de minhas escolhas bem como a sua, que de sortudo e mágico não tem nada, ainda assim mostra o quanto a força de uma superstição pode sobrepor a delicadeza da realidade, escolhas estas que foram tomadas na indecisão dos meus atos confesso
Estou me matando aos poucos; estou me envenenando aos poucos – pensava contrito – mas bem se sabe que nestas situações somos vassalos da situação puxando uma densa carruagem representando os atos e mentiras que cresceram e se entrelaçaram tornando-se mais difícil a cada dia a tarefa de convertê-las, limpando assim a consciência. A vida me apresentou caminhos e fórmulas aos montes, infelizmente (ou não) escolhi as que quebraram minhas esperanças ao meio, como se faz a um porquinho quando já está cheia de moedas, entretanto, ao invés de contabilizar os lucros, estive contabilizando os prejuízos resultantes dessa fantasia. Envenena-me cada novo pensamento, a cada nova recordação daqueles dias em que era um assassino de corações, deixando a vista o monstro que eclodiu dentro de mim. Não tive amor próprio, no entanto me serviu de aprendizado ser um canalha como fui. O trevo não me valeu de nada nesta ocasião.
Trevos combinam muito bem como a palavra amor; todavia, o amor quando é de fato puro e escorreito, faz nascer lágrimas nos olhos, mas são de emoção e não de desgosto; faz sorriso brotar como flor nos jardins na primavera, e provoca arritmia nos corações românticos, há até quem diga sentir borboletas dentro no estômago, no entanto, onde de fato encasula-se a imagem do amado ou da amada é dentro da mente junto a cada recordação munida de afeto. Amor não destrói, não mata nem comete homicídio, estas são alegações que um psicopata qualquer faz, justamente por desconhecer as dimensões de tal sentimento. Amor envolve tempo, desarma o ego, colore a vida, e recolhe para o íntimo de cada ser um contentamento que não pode ser explicado com meras palavras existentes na gramática humana. Constrói e reconstrói; constrói pontes invisíveis e reconstrói laços tornando-os assim indestrutíveis mesmo não sendo matéria prima da engenharia. Não é uma ferramenta forjada a altas temperaturas, entretanto conserta pessoas, redireciona passos, restabelece o bem estar. O amor explica o inexplicável; traduz o intraduzível; decifra o indecifrável; supera o insuperável, pois o amor nos eleva a uma outra dimensão. Ademais, o amor se entristeceu de tomar como morada o âmago humano, cada vez mais vejo-o fazer morada nos corações selvagens e puritanos dos bichinhos de toda casta do reino animal; como os caninos que são tão amorosos; como os felinos que são atenciosos, e os equinos, o xodó de muitos por aí. me limitei a estes por serem os mais domesticados, todavia, as aves, quadrúpedes e a fauna como um todo tem me dado uma lição de amor inigualável, me despertando o gosto pela observação da manifestação do amor em terceiros. A última vez que o amor de fato nos visitou em forma humana foi na figura ilustre de Jesus Cristo.
Amar é um verbo tão simples e bonito, conquanto é também uma ação que pode se manifestar oculta naquelas pequeninas ações, digamos pouco aceitáveis pela maioria, em razão de que como de costume a sociedade julga ao léu bem dizer quase tudo que acontece dentro ou nos arredores de sua colonização sem antes averiguar os fatos, bem como a validade dos mesmos e os detalhes que são o cerne de toda história compondo em um ato único cada cena; tomara Deus que as pessoas compreendam algum dia que julgar não é nossa sina, julgar torna nossa personalidade assassina. Sangue inocente escorre no fio da navalha a todo instante em função de julgamentos premeditados, basta abrirmos nosso olhar para os absurdos que insistimos em ignorar alegando preservar o bem estar mental, mas, quem fica bem sabendo que nada está bem?
Todos erram; “todos pecaram!”. Não obstante, é um desejo pulsante do ser humano fazer justiça, posto que no mais suave dos casos o desejo de linchamento, a sensação de superioridade cai na corrente sanguínea, e a ânsia por desferir naquele corpo errante e pouco amparado todo ódio e violência que circula naquelas veias exaltadas invadindo a esclera dos olhos revelando nossa condição porca e maldita vem à tona. Um trevo de quatro folhas trataria de trazer a sorte para aquele pobre diabo? Hipócritas; todos somos tão errantes quanto estes, que por se verem sem outras oportunidades proferiram roubar, aquilo que entendemos como pegar o que não nos pertence sem consentimento do dono original nem sempre se caracteriza como roubo. Alguém que rouba uma flor, por exemplo (nem todos gostam de flores) mas, os que realmente gostam vivem pelos cantos se espreitando para roubar uma mudinha daquela flor que ainda falta em seu do jardim, mesmo os que vivem pedindo como gatos, vez ou outra tenho certeza que se encontram afanando uma parte da pobre planta, que muda e indefesa nada pode fazer nem dar alarde de sua mazelas para que alguém venha a seu auxílio, é nestas horas que a expressão “o que é proibido é mais gostoso” faz todo sentido; apesar disso, sequestrar as flores é um crime que compensa, depois de alguns meses somos retribuídos com belos botões e pétalas que desabrocham, revelando que sim, às vezes o crime compensa. Isso é um crime? Amar as plantas e as flores é mais satisfatório do que lidar com pessoas, pois quanto a estas, nem um trevo de quatro folhas é capaz de dar jeito.
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