Insultos, não preenchem bem a minha lista de métodos para ser ouvido. Ofensas, não me parecem bons, nem muito menos educados meios de se conquistar a atenção de alguém. Agressões, não cabem muito bem na minha coleção de táticas para ensinar ou convencer alguém de algo que considero errado, entretanto, a vida não segue a estas regras pessoais adotadas por mim, e quando dela levei um bofetão na cara, acordei atônito dos meus devaneios, me despertando para uma vida iluminada pela luz densa e opaca das falsas esperanças colhidas no jardim das flores murchas do desprezo e da humilhação. Com as opções expostas em minhas mãos e meus erros indicando o alvo ao qual eu deveria atirá-las, trêmulo e tomado de incertezas desisti, em outras palavras, eu estava num beco sem saída, pois, o medo me consumia, e eu pensava não ter um local de fala para expressar as minhas angústias. O fato de eu possuir uma voz firme, ser dotado de uma garganta descansada, detentor de uma língua inquieta e posseiro de um vocabulário impecável, não me davam a confiança necessária para que eu conseguisse de fato me expressar vencendo o medo de opinar frente aos muitos pensamentos contrários que divergiam de meu ponto de vista. Eu não conseguia soltar a minha voz, porque eu cria não possuir uma voz da qual as pessoas estavam interessadas em ouvir. Por fim, onde será que está o erro? Quem será o culpado? Afinal, existe um? Pensar que eu era apenas mais um fantasma vagando por aí, sem identidade, invisível e agourento, do qual todos sentiam medo e temiam com veemência encontrar em alguma esquina ou rua deserta num momento pouco oportuno para fuga, limitavam minha capacidade de avançar pela vida afora, correndo por através do tempo semelhante a um cavalo selvagem que não se intimida com a liberdade, mas sim com aqueles que chegam para ameaçá-la, e no fundo eu bem sei que quando sinto medo de falar por temer a repressão, estou colocando em risco a minha própria liberdade, porquanto ela começa a partir do momento que meus pensamentos forem expostos como feridas que não cicatrizam por resistirem aos curativos impostos a ela. Pessoas feridas sentem medo de opinar, porém, pessoas destemidas, utilizam estas opiniões para curar estas mesmas feridas.
Talvez, seja preciso que eu me desfazer de algumas tralhas que pesaram minha bagagem até aqui, eu sei que há bastante coisa para ser descartada, e alguns personagens devem ser varridos da minha mente e excluídos o mais breve possível. Onde já se viu, eu me achar um fantasma? Ah, perdão, minha imaginação é fértil demais, e foram muitos que se encarregaram de despejar sementes e mais sementes nela de modo descontrolado, pena que as sementes em sua maioria não eram de trigo ou de feijões (como a da histórias infantis), mas sim, de joio semelhante às fábulas bíblicas. Desde a infância me foi passado que os fantasmas existiam e que eram criaturas perigosos de outro mundo, assustadores e pavorosos, capazes de atravessar paredes e muros, infelizmente, por crer com fidelidade ser um fantasma, acabei conseguindo uma coleção de galos na cabeça tentando realizar tal façanha. Eu ouvi com clareza e à exaustão que o Papai Noel, um bom velhinho que descia pela chaminé, e que incrivelmente não se queimava ou se sujava de carvão, cujo trenó voava pelos céus noturnos como uma coruja destemida em busca de alimento, viria na noite de Natal, e que se ele não viesse, seria porque eu havia me comportado mal, ora, mas qual criança não erra e não bagunça demasiadamente? É de certo modo torturante fazer com que uma criança acredite em tal loucura, e passem a se privar de muitas brincadeiras temendo não ganhar presentes, mas, são justamente as fantasias e as brincadeiras inocentes e intensas que permitem que as crianças se prepararem para a vida adulta, já que brincando elas têm contato com o mundo e com as outras crianças, aprendendo coisas desde a importância da partilha até a desvantagem do egoísmo. Bom, se o Papai Noel realmente gosta de crianças, ele não pode impedi-las de modo algum de brincar e fazer suas peripécias por aí, logo, passo a duvidar que esse tal velhinho seja assim tão bom. É uma pena, visto que assim como muitos ídolos fantasiosos plantados em nossa psique, eles permeiam a imaginação das crianças que de certo modo anseiam em encontrá-los ou vê-los algum dia, e isso não acontece. Trágica realidade. Nossa mente deve ser alimentada de fantasias sadias, e não de personagens fictícios pelos quais vertemos um peso afetivo consideravelmente grande, sendo ações como esta precursoras de muitas decepções ao longo da infância, os desapontamentos da meninice são os piores que podem nos acometer, já que são elas gravadas e registradas na memória como cenas dolorosas de episódios traumáticos. Creio que, assim como foi comigo, muitos traumas de infância tem aí o seu pontapé inicial.
Considero um absurdo ensinar uma criança que seu presente será dado caso ela se comporte bem, pois, a ideia da troca se perpetua ao longo da vida, e acabamos nos tornando escravos do escambo, monopolizadores de emoções em troca de bens, ou vice versa. Esse conceito é bastante equivocado, e acaba nos acompanhando pelo resto da vida, dado que o egoísmo possui muitas fases e faces, sendo algumas delas mascaradas e disfarçadas, difíceis de serem identificadas. Esta é uma delas: bom comportamento em troca de presentes. Logo, será uma boa ação em troca de dinheiro, e num estágio mais avançado quem sabe, uma delação premiada em troca de liberdade condicional. Se comportar bem enquanto indivíduo que compõe uma sociedade não é uma condição opcional, e sim, se trata de uma obrigação social que consiste basicamente em fazer boas escolhas e consequentemente um bom uso do seu livre arbítrio, logo, as consequências por se ter feito boas escolhas já é se caracterizam como sendo uma dádiva, já que nos proporcionam uma vivência pacífica, e não há melhor recompensa para alguém do que a paz interior no mundo exterior, entretanto, na infância somos imaturos demais para pensar nestes argumentos filosóficos que permeiam as questões mais profundas da existência humana, e fica a cargo dos nosso pais e educadores nos transmitirem estes valores, entretanto, a maioria deles falha. Talvez, foi por isso que me tornei um jovem bastante sensível que sofre com facilidade por quase tudo e chora por qualquer motivo. Quando magoado por alguém, um coração de criança é semelhante a uma taça de cristal que se despedaça em incontáveis cacos e fagulhas no momento em que escorrega de mãos inaptas a carregá-las, e é impossível de ser colada. Muitas das características desenvolvidas dependem da carga emocional que se adquire e acumula na infância.
Quando eu quis comer um ovo de páscoa, precisei pedir a meu pai que comprasse um para mim, já que a escola não iria naquele ano presentear-nos com ovos de chocolate em função da contenção de gastos da verba pública. Só Deus sabe o quão triste fiquei naquela referida data, uma vez que era tradição esperar e crer que o coelhinho da páscoa nunca deixaria de vir por nenhum motivo que fosse. Apesar de tudo, ele não veio, ainda assim os tributos continuaram a ser cobrados exorbitantemente, eu ouvia meu pai reclamar com a minha mãe da alta dos impostos, e as mudanças não ocorreram, mesmo quando o cenário econômico melhorou, os mesmos impostos continuaram a ser cobrados, e em alguns anos adjacentes àquele o coelhinho deixou de vir inúmeras vezes do mesmo modo. Foi então que como sendo uma criança bem esperta, comecei a perceber que algo não se encaixava naqueles ícones que me foram passados e nas histórias que foram-me contadas. Comecei então a chorar e a imaginar que o coelhinho havia encontrado um emprego melhor do que o de entregador de ovos de chocolate. Meu Deus, quão doloroso foi para mim ter de aceitar esta realidade, mesmo sendo muito criança, estava preocupado com quem iria ocupar aquele cargo tão importante, já que os ovos sempre deveriam vir e chegar até nós de alguma forma. Foi a partir deste momento que o gosto do chocolate deixou de ser doce e suave, para se tornar amargo e denso em meu triste paladar de criança desiludida. Você deve estar se perguntando onde desejo chegar? Bom, em lugar algum já que você está deitado, sentado ou simplesmente parado em pé em algum canto da casa, da rua, ou de qualquer local que seja lendo a este texto, todavia, eu quero é conduzir a sua imaginação bem como a sua compreensão para uma ideia muito simples que chega a ser até mesmo tola: a nossa personalidade idólatra que sempre anseia por ser ou ter ídolos. Bom, mas este julgamento deixarei por conta de vocês.
Passei a infância toda crendo em heróis que nem sequer existiam ou viviam de verdade, a não ser na crença popular que era passada de geração em geração, com isso, cresci acreditando a todo momento na existência desses ídolos tão venerados, esperando que em algum momento eles viriam a meu encontro e realizaram todos os meus desejos ou, me carregariam no colo e me lançariam ao ar, brincando comigo, fazendo elogios ao meu bom comportamento, entretanto, tudo isso foi uma farsa que não tardou ser descoberta por mim. Pouco a pouco foi-se desmanchando a imagem do barbudo de gorro vermelho, do coelhinho felpudo cujos dentes eram consideravelmente grandes com uma leve curvatura que os projetavam para fora da boca, e dos demais ídolos de capas e máscaras que passaram pela minha vida. Contudo, a ideia de idolatrar continuou viva e firme dentro de mim, e eu, inocente e decepcionada criança de mente criativa e vaga pela ausência de ídolos que me foram prometidos, passei a inventar os meus próprios, e mais tarde, embalado pelo calor das primeiras paixões da juventude, criei aquele ídolo que de todos, na minha opinião foi o pior que já habitou a minha imaginação: a figura da amada perfeita, da princesa endeusada, da donzela desiludida, pura e casta à minha espera. Um problema grave em crescer, é que entendemos que a perfeição não existe, o que existia de fato, era um perfeito estado de desconhecimento do mundo real, que para mim, é o bicho papão que tanto falavam que viria me buscar caso eu não comesse todos os legumes, se não escovasse os dentes, ou se me negasse a tomar banho, enfim, se eu fosse um garoto arteiro. Essa foi mais uma criatura fictícia na qual eu acreditei e que me custou muitas noites de sono, apesar de não se tratar de um ídolo ou herói, mas sim de um ser obscuro na figura de vilão plantado em minha cabecinha inocente, bem como o boi da cara preta ou o homem do saco.
Fantasiar? Eu gosto. Sonhar? Adoro. Fazer papel de palhaço? Claro que não, pra ser sincero, detesto; já que os palhaços nunca conseguiram arrancar uma só risada sequer da minha boca, que por hora, emitia apenas um agouro melancólico que servia de trilha sonora para acompanharem minhas lágrimas, aquelas mesmas que banharam meu rostinho desencantado ao sair do útero da minha mãe, para enterrar as sementes dos meus sonhos num mundo cujos solos, embora estercados pela presença ignóbil e repulsiva de certas pessoas, não se revelou propícia para que sementes boas dos sonhos que tive, germinassem e produzissem bons frutos com os quais sonhava. Eu queria poder ter me libertado dessas algemas, mas não há como, porque sempre estamos subordinados a alguma lei, ou a alguma tradição que massacra a nosso pensamento individual que costuma rodopiar fora da curva. Nem sempre o conservadorismo se revela uma boa prática ou conduta a ser adotada na sociedade ou no meio familiar. Por outro lado, o pensamento demasiadamente liberal também é um perigo para aqueles que estão adentrando o meio social, já que quando as crianças passam dos limites, precisam sim serem corrigidas com pulso firme, porque não somos livres, estamos subordinados a leis e regras, que em conjunto compõem o que chamamos livre-arbítrio, ou seja, um mecanismo de escolhas mediante a consequências, e não uma liberdade isenta de implicações, pois, ausência de limites é sinônimo de dor e sofrimento.
A flor da esperança deve ser linda, ao passo que seu perfume é libertador, sendo que ao preservá-la mesmo quando tudo mais já estiver se perdido, nos mantemos vivos por mais algum tempo já que ainda temos a vida, e a esperança está na vida. Embora seja tão formosa, tão admirável, só consigo a imaginar, nunca a testemunhei com meus olhos, não sei qual a sua cor, mas sou capaz de deduzir que suas pétalas, caso conseguissem desabrochar, seriam rigorosamente arrancadas, já que as pessoas aprenderam a gostar das flores e desejar levá-las para casa, ao invés de amá-las, permitindo que elas sejam e estejam acessíveis às demais criaturas que diferentemente de nós as amam, logo, não as agridem, não as arrancam. Arrebatar uma flor do jardim, e colocá-la num vaso qualquer e em seguida, depositá-la num canto frio e pouco iluminado da casa, revela o quão egoísta nos tornamos, à medida que se assemelha ao ato de apanhar uma bela ave silvestre cujo canto muito se admira e se gosta, porém, não se ama, porque quem ama não aprisiona ou se aprisiona, caso venha a fazê-lo, revela que sente profunda admiração, paixão, ou qualquer outro afeto inferior de que se tem notícia, todavia, não sente por ela aquilo que batizamos amor, porquanto o amor é infinitamente mais forte do que os desejos egoístas que o coração costuma permitir que nasçam e sufoquem as demais plantas boas existentes ao seu redor. O egoísmo é a erva daninha que destrói as boas plantações que fazemos vida afora.
Apesar de não gostar de desempenhar o papel de tolo, acabei desempenhando-o muito mais do que não desejaria fazê-lo, e de quando em quando, sem nem mesmo perceber que estou sendo enganado, por motivos internos que desconheço, finjo demência e ignoro este detalhe sórdido, já que prefiro ser cego do que enxergar o real, o nome desta doença é paixão. Talvez, eu não seja apenas este mero fantoche que se permitiu levar pelas cordas das emoções desenfreadas, já que quando meu coração é golpeado por esta comoção tão covarde, que rompe a ligação que há entre as minhas emoções e a razão que a controla, me deixo distorcer sem avaliar as consequências. Toda paixão é uma profunda forma vazia de idolatrar. Embora eu ainda ache que não vale muito a pena me deixar levar por estes impulsos, ainda assim reitero deste pensamento, já que parece mais viável ser útil de alguma forma, a me sentir só, prefiro me iludir a viver a ilusão de uma vida onde não há sentido viver, pois a solidão foi para mim como um remédio que surtiu apenas os efeitos indesejados, então, não posso nem ao menos me imaginar convivendo com ela novamente, uma vez que vivo no mesmo mundo em que os idólatras buscam alguém ou migalhas de algo para se preencher, quando na verdade o vazio que elas comportam só pode ser preenchido com luz própria, já que vivem numa escuridão que os cega, e se arrastam aos pés dos ídolos na tentativa de se encaixar em algum caminho, quando na verdade apenas os idiotas insistem em caminhar sendo guiados por alguém, enquanto se fingem de cegos. Na realidade, o pior dos cegos é aquele que não o é e finge ser, porque o único lugar que convém adotar papéis de mentira e fingir de maneira perfeccionista são nos teatros da ficção, haja vista que o teatro da vida não admite falsários, não paparica os vilões e nem transforma sapos em príncipes, no palco da existência as cortinas se fecham repentinamente e de surpresa, e não raramente muitos ainda se encontram despreparados para se despedirem do público, uma vez que passaram tempo demais distraídos com outras tarefas ao invés de decorarem as falas que os cabiam, e por esta razão, não conseguem terminar a atuação com devido capricho. Toda forma de distração é um princípio de idolatria.
Sou obcecado por insistir em apostar naquilo que creio, e mesmo que isso venha a me prejudicar, não estou nem um pouco preocupado, pois sou um idólatra, e idólatras amam aparências, adoram ilusões e amam o que querem amar, e não aquilo que convém ser amado. Sou um idólatra, e ser idólatra é viver um eterno carnaval: amamos as máscaras, somos apaixonados pelas maquiagens, adoramos as fantasias, somos fascinados pelas facetas laminadas e os cílios postiços… a verdadeira face daquele que amamos não importa para nós, pelo simples fato de que a mentira atende aos nosso desejos egocêntricos muito mais do que a escassez que a verdade com toda sua franqueza é capaz de trazer. Já que a paixão é capaz de desvirtuar nosso senso moral, pouco faz diferença o que é errado e o que é certo, isso não existe para aqueles que estão sob efeito de uma paixão fanática e desenfreada, a cegueira acarretada pela paixão, em dados e não raros casos, é irreversível. É bem justo que ao recuperarmos a consciência, para aqueles que têm a sorte de levar uma baldada de água fria, fujamos a toda velocidade das paixões que começam a surgir, algumas formas de amor não o são, são uma paixão qualquer, e alguma formas de paixão convém serem matadas, uma vez que elas nos transformam em zumbis que buscam não por carne humana, mas sim por atenção e reconhecimento daqueles que tanto veneramos, a paixão passa a nos conduzir, mas conduz rumo ao abismo, sendo que é impossível ir por um caminho diferente quando não há amor por si próprio, se você não está em primeiro plano para si mesmo, quem dirá os caminhos que adota sejam escolhidos de forma que lhe permitam ascender nas primeiras posições na escalada íngreme da vida. Os idólatras constroem caminhos para que os ídolos subam, quando não são capazes de realizar este feito, eles mesmos se curvam de modo a servirem de degraus que conduzem o ídolo ao trono, deixando de caminhar para que outros caminhem sobre eles.
Os idólatras são verdadeiros alienados na busca inalcançável pela reciprocidade que apenas eles são capazes de enxergar, ou crer que ela possa vir a existir, entretanto, isto é inalcançável, seria como se uma formiga desejasse alcançar as estrelas. Me fingi de cego por tanto tempo que ao se acenderem, as luzes da razão quase me cegaram de verdade, parecia que eu estava numa espécie de transe hipnótico do qual eu não podia ser despertado por meio de um simples estalar de dedos, e mesmo que eu estivesse indo ladeira abaixo espetando as solas dos meus pés nos pedregulhos e espinhos que haviam ali, ainda assim não importava, pois sou um idólatra, e nós fingimos que a nossa dor não dói em nós, porque tememos uma dor ainda pior: a do desprezo, no entanto, o desprezo deve ser a cura e não o elemento que fere, porquanto é através dele que buscamos provar o nosso valor, e quando descobrimos o valor que temos provar se torna desnecessário. A idolatria pela imagem que inventamos de alguém nos torna deslumbrados, aleija nossa capacidade de discernimento, passamos a beber na poça do desprezo, a nadar no lago da humilhação, a comer das migalhas do próprio ego. A paixão nos faz masoquistas, encontrando de algum modo o prazer na dor, para bem conviver com ela. Toda forma de idolatria configura uma alienação.
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