No Olho Do Furacão

 A dádiva da vida é um fenômeno maravilhoso repleto de belezas menores que se resumem em momentos. Dentre acontecimentos bons e ruins em meio a esta travessia tênue, estamos nós como destemidos marujos num barquinho em alto mar. De vez em quando, nos descobrimos desorientados sem saber para que lado continuar depois de um forte tombo precedido de um rodopio que nos deixou desnorteados. Porém, como bons e atentos telespectadores deste enorme palco de espetáculos que é a vida, sorrimos, choramos, soluçamos, e é comum também sentirmos medo e suar frio, dado que esta peça que vivemos é uma constante comédia dramática cheia de ação e suspense até o dia em que o frágil e breve sopro da vida enfim cessar e a cortina se fecha. Esta peça apesar de ser amarga e indelicada, traz também dentro de si uma gama de belezas e perfumes doces, como uma surrada Rosa do Deserto que vence o calor e a escassez da areia daquele ambiente hostil e desabrocha, revelando a magnitude de suas pétalas sob a forte luz daquele sol escaldante. Esta mesma vida que nos preenche, se assemelha a uma escola por onde todos passaram algum dia, em que vários acontecimentos foram fundamentais para nos preparar para um melhor modo de viver, a fim de nos tornar mais humanos. A perfeição da natureza e do universo me levam a crer que devemos evoluir positivamente e para melhor.

 Viver pode parecer algo bastante controverso e estranho em algum momento particular, como uma súbita mudança de temperatura que vai do intenso calor ao frio congelante em meio a uma tempestade de verão. A existência pode sim nos deixar confusos em dado momento, mas até a desordem é necessária para que mais adiante enxerguemos algo concreto através dela. Nada é por acaso. Acasos não se encaixam dentro de um universo de sonhadores, que saboreiam e se lambuzam com seus sonhos assim como uma criança com um algodão doce. Porém, muitas pessoas irão se encarregar de dar um gosto azedo ou amargo ao nosso paladar que antes era delicado e embriagante, como suave vinho tinto. Acasos caem muito bem às histórias de ficção, onde tudo é possível e nada é real, entretanto, é preciso trabalhar o imaginário, porque é imaginando as coisas que desejamos e os locais que aspiramos chegar que de uma certa forma adquirimos ânimo e inspiração para buscar tornar realidade aquilo que por enquanto nos sacia em forma de sonhos. Contudo, é preciso compreender que o equilibro parte da junção e do constante conflito entre o certo e o errado, o bem e o mal, o negativo e o positivo, isso tudo é necessário. No entanto, não se deve confundir equilíbrio com estabilidade, pois precisamos de controle e não de freios, visto que a linha de nossa vida deve sempre estar em movimento, altos e baixos definem o contrastante conflito do nosso dia a dia entre fracassos e sucessos. Logo, se mantermos o controle da velocidade com que avançamos, não será necessário acionar os freios pelo excesso dela num momento de urgência.

 Bom, tudo seria realmente perfeito se não fôssemos tão imperfeitos, mas a imperfeição também é necessária para compreendermos as nossas limitações, e entender que nosso papel aqui não é fazer julgamentos nem dissensão de pessoas. Nossos defeitos deveriam atuar como pequenos mecanismos de encaixe que nos conectam uns aos outros para que ao invés de nos condenarmos, ficássemos juntos para vencer com mais facilidade os desafios em comum. A união faz a força. Porém, o ego e a sobreposição de classes e de pessoas nos impede de avançar mais neste quesito, já que os olhares sempre estão voltados para o próprio umbigo, e quem é de fora acaba sendo deixado de lado ou desprezado. Conquanto, é necessário que estas pessoas existam e que cruzemos com elas a fim de aprendermos a não ser como elas. Eles serão nossos professores. Despreze a forma que eles agem, mas não os despreze.

 Estamos subordinados a um conjunto de regras, e apesar de termos o direito de decidir o que vamos fazer com nossa vida, não podemos sair por aí fazendo o que bem entendermos, porque não temos liberdade, temos livre arbítrio. Somos tão privilegiados em poder fazer as nossas próprias escolhas e compor nossos caminhos, baseado em metas e planos preestabelecidos, pois, diferentemente dos animais que são guiados por seus instintos, e tem a estrita necessidade de se alimentar e se defender, podemos expandir nossos horizontes por termos a noção e a compreensão da nossa própria existência e dominação dos nossos anseios. O direito de escolha infelizmente nos possibilita optar pela tomada de decisões erradas, porque mesmo sendo seres racionais, somos corruptíveis e fracos, e são muitos os fatores que podem comprometer nosso senso de razão, como um momento de estresse ou de tensão por exemplo. Atualmente não são poucos os mecanismos que fazem uso da nossa fraqueza psicológica para nos induzir ao consumo exacerbado ou ao vício descontrolado. Dentre perigosos traficantes espalhados por aí, e as bebidas e cigarros de todos os tipos no bar da esquina, talvez não prestamos tanta atenção nas mais viciantes e tentadoras que entram todos os dias no conforto de nossos lares e contamina nossos cérebros: propagandas televisivas que tem um controle quase que sobrenatural sobre as pessoas. Uma mão invisível que nos agarra pelos bolsos e nos leva a gastar compulsoriamente.

 Parece que o modo de vida atual se tornou moderno demais para que nele caiba os velhos costumes que outrora eram comum de se encontrar. A contemporaneidade ceifou nossos sentimentos um por um e deitou por terra aquela velha máxima sobre a importância de se avaliar os princípios de uma pessoa, colocou preço em cada um, trocando o valor moral pelo valor capital e a moeda de troca se resume em ingratidão e egoísmo. As mídias são as inimigas disfarçadas que nos cercam por todos os lados como os leões bloqueiam sua presa. Semelhante a uma ave rebelde e indomável, voa como bem desejar para todas as direções possíveis de serem encontradas na rosinha dos ventos. Rodeada de anúncios e custeado por uma rede de megaempresas focadas em destinar nossos pensamentos e economias ao consumo exacerbado de produtos e mercadorias, estas propagandas vão diretamente no nosso ponto cego, e indiretamente faz com que acabemos perdendo um pouco da essência de humildade e de distinção do que é realmente necessário do que não é, em consequência disso, tendo nosso ego inflado e alimentado, a avareza toma conta e interfere em nosso modo de agir. Não obstante, desde cedo o egoísmo se manifesta em nós. Duas crianças brincando nos dão sinais de que e a vontade incontrolável de deter tudo só para si, já é evidente desde os primeiros anos de vida, como se já estivesse enraizado em nossa carne, agindo sobre nosso modo de atuação e de pensamento enquanto indivíduos de uma sociedade. Quando esse pequeno bebê agarra o brinquedinho e impede que o outro em prantos usufrua do mesmo, fica explicita a manifestação do egoísmo. Somos consumidores vorazes de objetos e de pessoas, mas, principalmente de pessoas, corroemos os sonhos e o corações uns dos outros, já estamos tão insensíveis e anestesiados pelo exclusivismo que nem percebemos que nos tornamos assassinos ambulantes de almas alheias.

 Marcas propagam e divulgam o tempo todo imagens de pessoas “perfeitas”, sem nem um arranhão, cicatriz ou marca que seja, com dentes brancos e certos, cabelos lisos, macios e sedosos, pele clara, com relógios luxuosos, em mansões caríssimas, dirigindo carros com valor cujos zeros são dificeis de contar. Além de fazer com que as pessoas passem a cobiçar coisas que são totalmente utópicas para nós das classes mais baixas, induzindo à inveja e à mesquinhez, ainda estipulam a padronização da beleza em um grau inalcançável, que custa a saúde e a vida de várias pessoas desesperadas em busca de alcançá-lo ao redor do mundo. Fica evidente o preconceito de raça, visto que pessoas negras ou pardas raramente são postas em posição de destaque dentro ou fora da teledramaturgia, isso mostra que a fraqueza da lei fortalece as correntes e cadeados que selam as grades que separam as pessoas entre negros e brancos. Além disso, talvez hoje, muitas pessoas depressivas e insatisfeitas assim estão, por influência desta mídia de massa, já que acabamos às vezes sem nem perceber, espiando sobre o muro para ver e cobiçar o que há do outro lado, passando a viver em função de coisas que não estão ao nosso alcance e assim, revogamos por deixar de enxergar o que está do nosso lado do muro que é aquilo que realmente importa e faz sentido, que é mais valioso do que aquelas coisas almejamos ter  e que em nosso pensamento limitado, enjaulado e doutrinado, é  o que precisamos ter para sermos “felizes”. A felicidade não está em pacotes, caixas ou embalagens, muito menos em vitrines com vidros à prova de balas, ela está dentro de você, procure-a! Talvez passamos a vida toda sem nos darmos conta de que éramos contemplados com coisas, valores ou até mesmo pessoas maravilhosas e não nos demos conta disso, ou se demos, já foi num momento tardio.

 Pode ser que o investimento em marketing seja cada vez maior por estarmos tão dependentes de fatores que nos desligam e desconectam uns dos outros para nos tornar escravos do capitalismo, ou simplesmente em zumbis, submissos às tecnologias andando pelas ruas sem se certificar dos caminhos pelos quais estamos seguindo, exibindo marcas e logotipos famosos e glamorosos dos pés à cabeça. Quiçá este mercado esteja tão acalorado por estarmos tão frios uns com os outros, sem amor e sem compaixão. “Sem amor, nada seria”, bem diz este lindo poema do livro de Coríntios da Bíblia Sagrada. Não menos importante, sem compaixão também não somos capazes de gerar uma ação concreta para aqueles mais necessitados. Talvez, estamos tão frágeis e abalados porque nos encontramos cada dia mais corrompidos por estes sistemas imperativos, tudo isso somado ao cansaço extremo do cotidiano ou pela revolta com as demasiadas faltas de chances apesar das constantes lutas, já que vivemos num mundo tão desigual no que tange às oportunidades. É impossível haver meritocracia num planeta onde não há igualdade no páreo para todos os competidores. Todavia, isso não deve ser pretexto para desistir ou mudar nosso jeito de ser ou nossa opinião com relação àquilo que acreditamos, porque necessitamos pensar sempre em algo melhor e em mudanças, nos apegar em alguma coisa para permanecermos vivos. A verdadeira essência não muda, apenas expande seu valor, como uma expressão binominal da matemática. Você se torna capaz de ser aquilo em que acredita.

 É notório e imprescindível que busquemos a constante e diária mudança pessoal que tanto desejamos ver no planeta que habitamos, a mudança começa por nós, o primeiro passo é sempre o seu. Enfim, precisamos parar de nos julgar tanto, nos livrar destas amarras e aprender a perdoar e a si perdoar. Arrependimentos exigem muito mais do que um conjunto de palavras que são entoadas a alguém com a intenção de se redimir, se fosse fácil assim, ninguém precisaria se preocupar em sair por aí proferindo palavras de ódio, dado que não teriam esforços para alacarem a remissão. O perdão é um processo de cura para a pessoa que passou anos ou uma vida inteira alimentando e guardando o ódio e a mágoa dentro de si, como alguém que guarda fotografias antigas numa caixa ainda mais antiga. O ódio é uma doença crônica que mata pouco a pouco. Este sentimento é como um monstro faminto que se alimenta da nossa energia, nos tonando mais secos e fechados para os bons sentimentos que a vida proporciona. A oração é explicita, concisa e clara quando diz: “perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos tem ofendido”, ou seja, para que se possa ser perdoado, precisamos antes de tudo, saber perdoar, assim como devemos antes de exigir o respeito, saber respeitar, e assim por diante. O perdão exige esforço, sofrimento e dedicação, o melhor mesmo seria se todos pensassem muito antes de agir, se arrependessem antes de falharem com alguém, infelizmente, nesses momentos é comum estarmos furiosos ou revoltados demais, e a raiva também alimenta, impulsiona e cega nosso capacidade de discernimento e acabamos nos deixando guiar pelo impulso, o resultado é desastroso. Para evoluirmos, é preciso antes de tudo pensar muito bem antes de agir, ações inteligentes sucedem pensamentos inteligentes. Talvez, nos arrependemos logo em seguida, no entanto, isso seria semelhante a virar desesperadamente o volante de um carro que está capotando à toda velocidade ladeira a baixo.

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