Insegurança

 A natureza humana é uma das mais fantásticas criações de que se têm notícia no reino animal. Além de sermos dotados de grande inteligência cujo raciocínio lógico e conciso se fundamenta no domínio da razão, nossos mecanismos biológicos de defesa e de ataque são extremamente complexos e admiráveis à ótica da ciência. Todavia, do ponto de vista astronômico, não passamos de uma minúscula poeira cósmica que vaga perdida em meio à incalculável imensidão do universo, ainda assim, a genialidade humana é intrigante, e ultrapassa as barreiras da limitação, dando vida a novos projetos, desenvolvendo novas tecnologias, se renovando e se adaptando aos avanços do tempo e as demandas da modernidade. Se analisarmos por um segundo mais calmamente, vertendo olhares para nossa capacidade de criação (bem como a de destruição) com base em tudo que já foi produzido em termos de arte, tecnologia e conhecimento, notamos que somos muito mais aptos a transformar o mundo, do que destruí-lo como viemos fazendo de umas décadas pra cá.

 O instinto de sobrevivência é outro fator para o qual retiro meu chapéu, a capacidade que o corpo possui de se adaptar aos ambientes mais extremos e a situações críticas é fascinante, utilizando até o último recurso para que possamos permanecer vivos. Entretanto, pode até ser que sejamos fisiologicamente preparados (na defesa e no ataque) para situações extraordinárias, mas penso que somos muito mais vulneráveis (até mesmo por experiências pessoais) no campo psicológico e sentimental, já que nossas defesas são automaticamente desativadas quando o coração entra em cena e uma paixão está em jogo, tudo isso se deve ao fato de que podemos deixar de enxergar aquilo que nos causa repulsa ou indignação quando sentimos algo mais intenso por alguém, nestas condições, a ideia que criamos dela se torna muito mais forte, válida e real em nosso pensamento do que a sua verdadeira identidade, e sendo assim, acabamos assumindo papéis que não nos deixam numa boa colocação dentro desta relação.

  Um jogo extremamente perigoso, haja vista que ao deixarmos o coração às rédeas soltas, ele acaba decidindo o que devemos ou não fazer, as decisões que devemos tomar, e quando a razão perde autoridade, acabamos esquecendo o valor que temos, revogamos migalhas, muito menos do que aquilo que verdadeiramente merecemos, você passa a amar mais aquela pessoa do que a si próprio, querendo a todo custo se encaixar no mundo dela, e fazendo de tudo para que ela se sinta agradada por você e assim, desenvolve uma certa carência emocional que vai lhe trazer danos irreparáveis, por passar a viver em função de um terceiro, sendo que o principal objetivo dentro de uma relação qualquer que seja, é amar a si primeiramente a fim de compreender o que você merece, porque assim poderá estar bem para dar e ser o que a outra pessoa necessita para juntos poderem transbordar e a relação ser sadia, sem que ninguém se sobressaia sobre ninguém. Mas, por que somos tão inseguros?

  No geral, é importante e preciso que olhemos para as pessoas com uma visão mais humana e menos egoísta, eu sei que esta sugestão soa meio clichê, entretanto, eu também pude observar que estamos quase sempre presos ao campo das ideias e das promessas do que no campo das ações concretas que são realmente válidas. Precisamos compreender que quando nós somos rancorosos, cheios de mágoa e sem compaixão com ninguém, nos tornamos pessoas extremamente amargas, vazias, estressadas, passamos a viver com cada vez mais exigências, cobrando demais das pessoas ao nosso redor sem que façamos nada para torná-las mais próximas a nós, mas sim, dando motivos para que se afastem. Precisamos ter em mente que não evoluímos quando somos oclusos e negativos além do necessário, e acabamos atraindo coisas ainda mais negativas e tenebrosas para dentro de nossas vidas. É necessário que nos livremos das cargas pesadas, das bagagens mais densas que pesam sobre nossos ombros e nos impedem de caminhar mais levemente em nossa vida diária.

  Diferente das plantas, das pedras, dos objetos inanimados, dos algoritmos e dos monstros, nós temos sentimentos vivos dentro de nós, e estes, podem ser facilmente feridos, pois são tão sensíveis quanto uma fina e frágil taça de vidro que sempre quebra quando é manuseado pelas mãos erradas. Os sentimentos são como uma tela em branco aguardando receber uma linda pintura, mas infelizmente, nem todo mundo é artista. Quando brincamos com o sentimento de terceiros estamos fazendo mais do que uma “simples” sacanagem, estamos destruindo os sonhos daquela pessoa, a confiança que ela depositou em nós e nas nossas promessas, e qualquer um que já tenha vivido esta experiência sabe que a traição não machuca apenas quando acontece em relacionamentos conjugais, quando um amigo nos apunhala pelas costas a dor é exatamente a mesma, porque não importa que relação seja, quando a confiança é violada, nos sentimos usados e manipulados, e ninguém gosta de descobrir que foi apenas um objeto nas mãos de alguém. É daí que vem a insegurança. 

  Na era tecnológica atual, se tornou muito comum a busca incessante por sexo e pela satisfação dos prazeres carnais, na grande parte das vezes egoísta, já que apenas um dos lados obtém prazer e não se arrepende de ter tomado tal atitude. Além do mais, não são poucos os que optam e se deixam seduzir pelo visual e pela estética, nossos olhos se tornaram verdadeiras “bocas famintas” buscando se alimentar vorazmente da beleza, mas quando a encontra, facilmente se cansa e se farta, porque o que fascina os olhos está a quilômetros de distância de ser o mesmo que alimenta o coração. A beleza sem inteligência é vazia. A beleza sem valores, é vazia. A beleza sem beleza, é vazia, porque a verdadeira formosura não é a que impacta por meio de imagens visuais, e sim a que transborda o sentimental que há dentro de nós. Não obstante, muitas pessoas fingem ser o que não são para conseguirem o que tanto desejam, o que deixa os indivíduos de caráter e valores reais em um descrédito infeliz. Excepcionalmente, estamos andando por aí às cegas, as pessoas usam máscaras e escudos: umas para se esconder, outras para se defender. É uma tarefa bem difícil discerni-las além da camuflagem que cobre seus rostos e maquiam suas reais intenções. A insegurança é gritante.

  Então, basta que a primeira decepção ocorra para experimentarmos uma sensação desconfortável que nos deixa alerta pelo resto da vida. O temor pela reincidência é algo que desenvolvemos sempre quando expostos a uma situação traumática ou desagradável, principalmente quando ela nos causa dor, tristeza e melancolia. Agimos e aprendemos a agir da maneira que as pessoas nos ensinaram a partir do modo delas de nos tratar e das feridas que causaram em nosso coração. As lembranças dolorosas são cicatrizes que apesar de melhorarem deixam marcas profundas, e carregamos essa dor pelo resto da vida. A insegurança toma forma! Não deveríamos, mas acabamos desenvolvendo um pensamento generalizado de que todas as experiências futuras serão semelhantes ou que todas as pessoas dali em diante agirão de igual modo, o que gera um certo bloqueio em nós, uma espécie de autodefesa, às vezes é até algo meio inconsciente e você não consegue controlar, mas não tem jeito, quando somos trapaceados ou enganados nossos instintos de defesa logo assumem o controle e passamos ser desconfiados, passando a sentir medo até mesmo da nossa própria sombra.

  Entretanto, é preciso entender que somos muito mais do que a soma de todos estes momentos, que na verdade uma porta se abre sempre que outra se fecha, e ao atravessar uma porta, podemos seguir para qualquer rumo que desejamos. Compreenda que nos tornamos mais fortes após cada tempestade, já que após ela virar o barco,  nadamos incansáveis para alcançar a margem da ilha ou praia mais próxima. Somos grandes demais no que tange a capacidade de aprender e de buscar novas rotas para nos prendermos a estas angústias momentâneos, até porque os sofrimentos, a decepções, os desencantos são males necessários para entendermos de uma vez por todas que são pouquíssimas as pessoas para as quais devemos nos entregar de corpo e alma sem precisar ter medo de sermos traídos ou enganados, mas muito além disso, precisamos compreender que temos um vasto caminho pela frente, e para avançarmos cada vez mais em direção aos objetivos que queremos alcançar, precisamos nos imaginar como um grande navio em alto mar: tendo como leme o presente, enquanto os fortes ventos sopram as velas nos empurrando para o futuro, e o passado fica para trás, em seu devido lugar, como o rastro que é deixado com a passagem do barco.

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