A noite pode esconder muitos mistérios, mas também revela-os, é na alvorada que os lobos saem de suas tocas e vão em busca de alimento, talvez, a noite não seja tão temida e dita perigosa por ser parceira da escuridão, e sim porque é neste momento em que os predadores mais ferozes saem desinibidos de seus esconderijos famintos em busca de saciar sua fome a todo custo. Quando a lua despeja sua luz pálida e serena sobre a terra, o cenário de muitas atrações magníficas se revela: os seresteiros assumem seus postos em frente às janelas e sacadas, fazendo belas e melodiosas serenatas para suas amadas; os ladrões, sorrateiros e ariscos, começam a pôr em prática seus planos mirabolantes traçados com alguns dias de antecedência; e as corujas, essas criaturas excêntricas alçam seu voo magistral e tenebroso por sobre as relvas escuras cobertas pela mata virgem; no meio urbano, os cafetões e as prostitutas saem para mais uma noite de orgia e embriaguez, na incerteza de voltarem, vão para seus pontos de trabalho em busca de dinheiro e prazer, vendendo seus corpos como alguém que vende doces caseiros na esquina da avenida.
Pobres coitados dos seres e habitantes das ruas, as calçadas são um submundo obscuro, esconderijo de perigos e ciladas inimagináveis, os habitantes deste habitat hostil, embora livres para ir aonde quiserem, como o vento que sopra as palmeiras e os arranha céus, são privados de muitos benefícios garantidos pela constituição que enche os nossos olhos de emoção quando lida, e de tristeza quando é rasgada na cara do povo. Estes, são obrigados a contar com a sorte, jogados na sarjeta como farrapos humanos sob olhares de julgamento e repúdio, enquanto o restante da humanidade passa pela calçada com seus sapatos de grife, fabricadas a partir do couro de algum inocente animal selvagem que também foi vítima fatal do capitalismo, cujas solas deixam rastros que demoram a serem apagados pela ação do tempo, entretanto, a soberba e o ego deles deixam marcas ainda mais profundas no coração daqueles que ali residem e já não possuem mais alma, uma vez que esta foi confiscada pelo esquecimento e devorada pelo abandono. Suas memórias são relíquias, que embora levadas pelo tempo, algumas ainda persistem em continuar a existir e se tornaram intocáveis, talvez as mais célebres tenham resistido às investidas do tempo, como uma dama que recusa os flertes do cavalheiro insistente e que ainda por cima dança mal.
O que torna uma memória especial não é a sua duração através do tempo, e sim o seu contexto histórico, a composição afetiva do momento e intensidade com que ela ocorre. Logo, memórias se tornam riquezas para aqueles que nada tem além de uma conta bancária cujos zeros se perde de vista. Aquele baú de fotografias e recordações guardado dentro da cabeça, acolhe mais que os incontáveis cômodos da casa, porque o tempo não é capaz de destruir aquilo que gera emoção em nós. Coisas verdadeiras nem o tempo pode apagar, pode dar um fim ou um basta, porque como tudo nesta vida nada é infinito, entretanto, enquanto houver vida os sentimentos autênticos se perpetuam pelo tempo, bem como a confiança que possui um longo prazo para ser construída, e como toda construção, a força está na base, e como dói sentir e presenciar a confiança que se investiu em alguém se tornar como o pequeno grão de areia que cai na água e afunda, sendo depositada nas profundezas do rio se tornando insignificante e esquecida.
A madrugada é o cenário perfeito para muitos afazeres contudo, é ao mesmo tempo um palco encharcado de lágrimas, preenchida com várias desilusões, pensamentos tristes e depressivos. Quantos são os que choram madrugada afora? Pessoas feridas física e emocionalmente, sentindo-se solitárias por dentro apesar de possuir uma vida social que aparenta ser normal, mesmo que sorriam ou pareçam ser felizes externamente, entenda que alguns fazem destes artifícios verdadeiros escudos para se esconder do preconceito e do apedrejamento alheio gerado pela depressão e pela angústia. Não são todos que são humanos o suficiente para sentir a dor alheia e compadecer-se dela. Tem muita gente boa adoecendo por tropeçar pelo caminho e ser amparada pelos braços de pessoas erradas em suas vidas. Como resultado as péssimas experiências vivenciadas se tornam traumas que como pequenos grãos de areia, vão se juntando e somados se transformam numa imensa duna no final das contas. Como era de se esperar, o avanço tecnológico de certo modo aproximou as pessoas distantes, enquanto distanciou as que estavam por perto. Quem está próximo a nós fica tão entretido e fissurado nas redes sociais que o diálogo acaba morrendo, a troca de afetos diminui com o tempo, até que a relação enfraquece e chega ao fim. Uma relação verdadeira não esfria por falta de sexo, mas sim por falta da presença e do carinho com a pessoa amada que vai se sentindo deixada de lado, e amor não cuidado é incapaz de produzir frutos para serem cultivados.
Memórias são pequenas pinceladas dadas na tela branca da vida, envelhecidas pelo tempo. O tempo age sobre tudo, e é muito importante compreender isso para não ficarmos presos em saudades passadas nem em ansiedades futuras. Devemos ter as memórias como recordações que nos permitem reviver por algum instante a felicidade, e aprender a conviver com aquelas traumáticas que não somos capazes de deletar. O que realmente nos interessa? Sair da bolha, esta mesma que levita pelo ar como bolinhas de sabão que refletem várias cores quando transpassadas pela luz do sol? Ou simplesmente permanecermos presos por uma fina camada de incertezas e mentiras que nos encapsulam deixando de existir a possibilidade de contato com o externo, de provar o alheio, de beber de outras fontes ou de procurar por outros rumos, desenhando outras rotas, etecetera e tal. Isso é muito sério, o cansaço se tornou frequente no coração das pessoas, nos encontramos meio confusos frente aos fatos, talvez por não aceitar a real gravidade dos mesmos, por já termos outras possibilidades previamente criadas em nosso imaginário. Isso é perigoso, mas ninguém está isento disso. Dentre os passos pelos corredores das casas, a luz vai aos poucos revelando as faces cansadas e pálidas das pessoas, cujos olhos estão com uma clara expressão de estafa emocional. Há muitas pessoas doentes lá fora.
As memórias mais recentes que tenho, são as de minhas andanças pela cozinha, andando de um lado para o outro dentro desta casa vazia e fria, que se tornou uma prisão sem grades, um cárcere sem algemas e uma solidão sem antecedentes. Levanto-me, vou até a geladeira e pego uma jarra de leite que lá está, na xícara cor de creme eu despejo um bocado, em poucos goles tomo o leite sem nem mesmo aquecê-lo, a pressa é tão grande e presente em minha vida que às vezes sinto que serei devorado pela própria ansiedade que me habita, mais uma vez perdi a paciência. Perder o sono e perambular pela casa é algo de rotina, já fazem muitos anos que eu não tenho uma boa e satisfatória noite de sono, confesso que ir para cama acabou por se tornar uma tormenta, tenho medo de me deitar porque sei que não vou conseguir dormir, e se eu conseguir, vou acordar ofegante de madrugada. Então, exercito minha mente sentando sobre a cama e deixando que me venham à mente memórias antigas das quais ainda me recordo, algumas com bastante detalhes, outras com certa dificuldade, mas o interessante mesmo é aquela memória que surge de repente, sem que haja algum acontecimento específico para que ela venha à tona. Repentinamente me recordo de algo que estava perdido em meio aos meus neurônios, e aquela lembrança de certa maneira me fascina pelo resto do dia ou da noite, mostrando que uma simples lembrança tem poder suficiente para tornar um dia de sol chuvoso, ou transformar um dia chuvoso numa linda manhã ensolarada.
PERFEITO SEU BLOGER,
AS MENSAGENS MARAVILHOSAS FAZEM -NOS SONHAR.
PARABÉNS!
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Obrigado pelo carinho
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Muito top parabéns
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Obrigado pela visita ❤
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