A Era Anti-Amor

Nas noites em que a lua brilhava no céu, em meio a um emaranhado de estrelas de todos os tamanhos e intensidades, encaixadas nas mais variadas constelações, vagueava ao mesmo tempo pelas ruas e estradas em busca de suspirar ar puro e fresco, como alguém que se recupera de uma forte gripe e busca se reconfortar nos atributos e elementos gratuitos e essenciais que a natureza oferece e que assim, por consequência, pudesse me livrar daquele aperto angustiante no peito, que me sufocava semelhante a uma mão invisível esganando-me pouco a pouco, parecendo se divertir e se alimentar do meu desespero a cada segundo. Assim parece ser a mão do tempo que pesa sobre nós mais até do que a força da gravidade, e apesar de ambos serem invisíveis, conseguem nos privar e restringir de muitos feitos que poderíamos realizar se acaso estivéssemos isentos, em vez de subordinados às duras legislações a que eles nos impõem.

Vivi e vi na vida coisas de que jamais me esquecerei, e que me deram lições das quais não me atrevo a desafiar fazendo o contrário, e tropecei distraído nos buracos desta vida amarga como um bêbado voltando para casa tendo por companhia as últimas estrelas ofuscadas pela luz resplandecente do sol que está por nascer. Me machuquei e me perdi várias vezes buscando atalhos para encurtar o caminho principal, e me danei… fui sequestrado por minhas próprias ideias. Perdi e também ganhei nos difíceis jogos que ela fazia, foi quando notei que a vida não tem por nós a mínima compaixão, joga contra nós o tempo todo, e quem não abre o olho leva a rasteira. Caí na ilusão de acreditar na falácia de que o amor não existe mais, bem, motivos de sobra eu tinha para crer nisso, tendo em vista que cada um que esbarrava em mim com violência, seguia seu rumo sem olhar para trás nem se desculpar. Sinto que vivemos na era anti-amor.

Mesmo assim, continuava achando que aquilo se tratava de uma idiotice muito grande, sendo que o amor se manifesta em todos os lugares de milhares de maneiras diferentes e nenhuma delas é menos importante que a outra, porque toda forma de amor vale a pena ser vivida e cultuada. Mesmo que a atualidade se revele assim densa e conturbada, tal como uma nuvem cumulonimbus que se aproxima com a destreza de um furacão, escoltada por um turbilhão de raios e trovões dignos de receber um óscar por sua interpretação, prontos a espantar as galinhas, os cachorros e qualquer outra criatura viva que esteja pela frente. Ainda assim eu acreditava nesta forma tão rara e tão pura que batizaram de amor. Contudo, deixando de lado as tempestades e os vendavais, espero de coração que um dia todos que vagam por aí perdidos à procura de pessoas que estejam na mesma sintonia, possam se encontrar e desfrutar destes instantes de êxtase profundo que tal afeto pode proporcionar, e que possa valer a pena esta experiência.

Ademais, vou logo avisando, como competidor experiente, que a nós, que estamos em busca de verdadeiras histórias, regadas de intensos sentimentos, precisamos nos contentar com os livros de romance e os filmes de amor da ficção, que ainda preservam toda fantasia de um conto de fadas e o lirismo dos poetas de outrora, coisas que hoje em dia soam em tom de ironia e gozação quando faladas ou propostas para a maior parte das pessoas. Nem mesmo os elogios são mais feitos com a pureza de tempos remotos, quase sempre existe um pensamento ou intenção sórdida por trás coberta pelo disfarce da simpatia. Parece que se tornou patético colocar uma carta no correio endereçada a alguém por quem se tem considerável afeto, ou mandar um buquê de flores junto a um chocolate, uma demonstração de carinho e afeto que vai além das camadas das densas bolhas que nos cobrem no dia a dia. Mais triste do que a recusa de um buquê, é ver as flores que o compõem murcharem por falta de cuidados, algo que dói muito mais do que o próprio fenômeno natural que as assola.

Aos que mesmo assim desejam se arriscar e se aventurar em meio ao mar de espinhos que inundou o ambiente aí fora, a estes, como verdadeiros guerreiros eu os saúdo e os reconheço como desbravadores do amanhã, pois vão em busca do que é incerto, e o mais garantido é que vão se sentir num deserto acompanhados somente pela solidão. A eles desejo boa sorte e muita força para suportar as decepções que os vão acometer. Aos que embarcam nessa aventura de nada poderão se orgulhar, apenas amargas decepções lhes estão reservadas, e eu declaro de peito aberto como um imperador que entoa o grito da independência, que faço parte deste grupo de poetas infelizes, já que se entregar pela metade e deixar que a vida nos leve, patinando pela superfície das relações como se elas fossem um lago congelado pelo frio, não faz parte dos planos de muitas pessoas que são obrigadas a seguirem só e sem esperança num futuro a dois. Enfim, é quase impossível sorrir com verdade, quando não estejamos realmente com motivos internos para isso, dado que a penumbra estonteante daqueles dias difíceis, no tocante aos sentimentos, se revelavam tempestuosos e desmotivadores, e a sombra da ilusão apaga a luz da esperança por um tempo, e tudo permanece escuro. Eu sou este tipo de pessoa: busco o amor, busco por amor, e busco um amor. Entretanto, sinto que vivo numa era anti-amor. Tudo gira em torno de futilidade, o que não gira está perto, e sinto falta dos rumores da antiguidade.

Não obstante, atualmente o carnal sobrepôs-se ao sentimental e com isso as relações se reduziram a momentos apenas, o que tornou difícil a propagação dos afetos entre as pessoas, haja vista que para haver interação mútua e reciprocidade, é preciso que a presença venha antes do prazer. Todavia, o que ocorre é bem o contrário, e assim sendo, o medo é despertado no coração daqueles que ainda se aventuram buscando sensações intensas de amores profundos, entretanto, aqueles que se tornaram frios, muitas vezes foi porque eram abertos e esperançosos, e por sofrerem demais, acabaram se fechando, uma vez que o medo faz com que criemos um escudo protetor, e cada um desenvolve o seu de maneira diferente. Tento expor aqui os dois lados, já que esse negócio de ficar na defensiva não cola mais, nem é ético. O medo é um elemento que pode preservar a nossa vida e a nossa integridade física, tanto quanto a moral, sentir medo faz parte, saber recuar é importante. Em suma, este medo deve ser seu aliado, agindo parcialmente como freio, e não tomar conta de nós por completo, bloqueando as artérias do seu coração. Ele deve ser seu escudo protetor.

Aquela velha sensação de sempre ter sido deixado para trás ou de lado pode assombrar a muitos nas noites mais solitárias que sua vida lhe proporciona, e nos dias rotineiros que o tempo emprega a cada novo amanhecer medido por míseras vinte e quatro horas num relógio programado para trabalhar sem descanso. Podem parecer meio melodramáticos os eventos que aqui foram narrados, porém, somente quem convive ou já conviveu com a depressão a todo instante despejando uma carga abrupta de amargura em seu coração é capaz de compreender o quão dolorida é esta ferida que permeia nossa alma, e sem que haja razão para que se faça presente, ainda assim ela insiste em não ir embora, como aquela visita indesejada que com a maior cara de pau do mundo chega em sua casa e não se preocupa em partir. Não é sobre ter alguém para ser feliz, é simplesmente querer ser feliz ao lado de alguém, porque alegria contagia e querer ser feliz sozinho a meu ver é egoísmo, e se sua alma adoece todo corpo é comprometido, já que sem a essência, o perfume perde o seu valor. A sociedade julga demasiadamente e mal, portanto, ficar se preocupando com estas coisas não é uma boa opção, porque a maioria dos sofrimentos que temos são por carregar culpas de erros que nem sequer cometemos, as pessoas nos apedrejam e a gente passa a viver e a conviver com aquilo que somos alvejados como se isso fosse realmente uma responsabilidade de nossa parte.

Por outro lado, é muito bom fazer coisas que te dão prazer e que dependem somente de você para acontecerem, e é aí que a reviravolta acontece. Pode ser após uma decepção, depois de sofrer uma traição, não sei por que motivos, só sei que em algum momento da vida você aprende que a solidão não é sua inimiga, ela serve pra te mostrar as coisas grandiosas que você pode e de que é capaz de fazer na descrição dos seus atos e no silêncio dos seus pensamentos. É o momento em que as ideias entram em órbita dentro da sua mente. E ali serão organizados, não em fila indiana, porque assim seguiriam um padrão e pensamentos não seguem padrões, são livres e diversificados, aleatórios e vastos, precisam da calmaria do silêncio para serem digeridos e organizados à luz da razão. Na loucura do dia a dia, no stress cotidiano em meio à tensão corriqueira, o interruptor falha e a luz da razão não acende, sendo assim, não pode brilhar e iluminar toda nossa consciência, fazendo com que alguns atos sejam cometidos por impulso. É preciso aprender a ser, ficar e a estar sozinho, mesmo porque não é uma tarefa das mais fáceis aprender a lidar com certos tipos de pessoa que infelizmente teimam em permanecer perversas como sempre foram, gente que não percebe que a mudança é necessária para que o mundo possa evoluir como um todo no que concerne às relações humanas. Deste modo, se tornou tão difícil tocar o coração humano por meio de palavras, que eu nem cria mais que isso era possível, até que um dia qualquer resolvi romper a bolha que me envolvia, como um bebê que rompe a bolsa e nasce para um mundo novo, e assim saí da ignorância produzida pela generalização que acabamos por fazer, e vi que sempre existirão frutos podres rodeando o tronco de um pé de fruta qualquer, todavia as mais sadias sempre estarão penduradas num galho bem alto onde a imundície do solo não as pode alcançar, é à altura destas que devemos desejar estar.

As bolhas foram sendo criadas e as pessoas se isolando mais e mais no mundo tóxico que as envolve, a partir do momento que se bebe apenas de uma fonte nos tornamos fanáticos, porque a diversidade é um antídoto que neutraliza a ignorância. Ignorantes pronunciam palavras toscas, e palavras toscas geram feridas, muitos preferem fazer uso das palavras como se elas fossem armas ao invés de ferramentas, sendo que as palavras têm um enorme poder de persuasão, de convencimento e de cura caso sejam usadas da forma adequada e para o bem comum. Mas o ignorante teima em ser e se achar independente, muitas pessoas se dizem independentes por andarem com as próprias pernas mas, na verdade não o são, já que não pensam com a própria cabeça, e mais vale ser independente no campo das ideias do que autônomo no meio social. Isso é uma pena, haja vista que existem muitas pessoas bem intencionadas apesar das algemas e dos cabrestos que as aprisionam a um ideal, porque os meios autoritários não são capazes de neutralizar a verdadeira essência de um ser humano. Porém, eu creio com verdade que da boa intenção sobressai uma boa interpretação, já que na primeira você exercitou de certo modo a sua real natureza, enquanto que na segunda, apenas compreendeu-a de fato.

A vida sob este aspecto revela-se decepcionante. Embora não sejam todos que conseguem lidar com o fato de que se decepcionar, é uma possibilidade que pode ocorrer, e com maior frequência a partir do instante em que ficamos, por intermédio da ansiedade, atônitos e aflitos com o pensamento no futuro se esquecendo de agir no presente, e, por conseguinte, terminamos desapontados quando tudo não sai como planejado, e depois de sofrer uma ou várias decepções a tendência é nos fecharmos, e esse é o maior perigo. Somos julgados, taxados de burros, imbecis, mas a verdade é que este termo não existe. A burrice é um rótulo fútil criado para ofender aqueles que aparentam não ter nenhuma cultura. Ora! E quem disse que cultura vem através do diploma? Insisto, burrice não existe, o que existe são diferentes campos de interesse e formas variadas de entendimento e interpretação, sendo que cada um lê o mundo de uma forma, baseado na carga emocional, estrutural e hábitos que traz consigo na bagagem. Todos tem algum conhecimento para oferecer, e este é importantíssimo, acredite. Toda forma de conhecimento vale a pena ser absorvida. Aprendemos muito quando aceitamos ao menos ouvir outra linha de pensamento sem que para isso seja preciso abandonar a nossa. Sejamos menos complexos, sejamos mais abertos e tolerantes, pois nem todo pensamento é perfeito porque a perfeição não existe, nem sempre o estético se sobressai sobre o qualitativo, o segredo é a transparência. Compreenda que vivemos em uma época onde o tempo é precioso e não pode ser desperdiçado de forma alguma, conquanto, quem quer o outro o tempo todo para si, já desconhece de cara o que é amar, que consiste em entender que o outro é livre para viver a sua vida sem estar preso no cárcere da sua possessão, seja lá qual for o grau de envolvimento. É possível sobreviver à era anti-amor?

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