Cárcere

Eu vivi muitos anos sob a jurisdição e a ótica das ciências sociais que foram trabalhando e moldando meu caráter até ele se tornar o que é e ser como é hoje. Se pensarmos bem, todos já nascem submetidos a um conjunto de leis, uma série de regras e um punhado de normas para o “bem viver”, e partindo desta perspectiva entediante que se revela este ambiente hostil que habitamos, não foram poucos os atores que tiveram papel fundamental e de extrema importância nesta peça melodramática, contendo nuances trágicas que contrastam com episódios felizes dentro do universo infinito de possibilidades e não possibilidades que caracterizam os eventos da minha vida. Alguns destes atores, embora coadjuvantes, foram marcantes o bastante, com certa intensidade a ponto de me deixarem marcas muito mais profundas do que uma simples cicatriz ou hematoma que consagram algum atrito ou contato físico, nem muito menos puderam se sobrepor a um trauma emocional de qualquer proporção que seja, muito além disso me mostraram sobretudo que confiar nas pessoas se revela o risco mais grave ao qual podemos nos submeter enquanto seres humanos. Alguns destes atores não escondiam de forma alguma suas identidades e reais intenções, e por esta conduta até os considerava sinceros de certo modo, pois não usavam máscaras para persuadir, nem truques para disfarçar a obscuridade que de fato traziam em seus corações, e como bons antagonistas que eram, representavam o tempo todo uma letal e perigosa ameaça à minha existência e meu desenvolvimento enquanto pessoa, existência esta que vira e mexe se revelava tão conturbada e maçante quanto os mais fascinantes, impactantes e comoventes filmes hollywoodianos dos quais se tem notícia.

Não obstante, todos sempre nascem, crescem e se desenvolvem cercados por uma redoma onde imperam as crenças, costumes e valores herdados e praticados por aqueles que o conceberam e convivem com eles. O nome disso é cultura, e eu particularmente sou muito grato por ter sido criado como fui, por quem e onde fui, dado que todos sempre irão num primeiro momento absorver como uma esponja aqueles valores transmitidos que são característicos dos meios aos quais estão inseridos. É fato notório e bem certo que chegará um momento em que tal indivíduo poderá e deverá pensar e raciocinar com a própria cabeça, todos devem buscar ficar livres das algemas sociais e dos rígidos cabrestos do sistema, pois há uma diferença enorme entre ser instruído e ser manipulado. Quem é bem instruído, jamais se permitirá ser de algum modo manipulado. Apesar de tudo isso, sempre haverá uma batalha sangrenta e obscura no dia a dia de nossas curtas vidas envolvendo nosso caráter por meio de condutas que provam e nos deixam à prova quase que instantaneamente o tempo todo, conviver em sociedade é mais que uma forma de aprendizado gradual, é um procedimento de evolução constante e dificílima em meio a um mundo que padece e desmorona em imoralidade e falta de amor, amor a si mesmo, amor ao próximo, ao próximo estilo, o próximo pensamento… a próxima opinião. Eu aprendi muito bem com eles que devo estar preparado para receber as pancadas violentas dos confrontos comuns e incomuns de cada dia, para não ser mais um em meio à multidão que prefere se deixar levar pelo modismo e pelo comodismo gerado em nós por essa atualidade sem densidade e superficial, típica da futilidade que se instaurou. Eu tenho a autonomia da decisão e o peso das responsabilidades acarretadas recaídas sobre mim, apenas eu posso e devo decidir quais caminhos irei tomar, sob a luz da razão que me ilumina juntamente ao sol que me aquece, preciso estar consciente de que não será benéfico para mim desviar-me um milímetro que seja do caminho que me cabe e convém atravessar, não posso ser um imbecil ao ponto de embrenhar-me por caminhos tortos e perigosos dos quais fui instruído a desviar-me desde que saí do berço e aprendi a pronunciar as primeiras palavras e dar os passos primários de minha caminhada, todavia o ser interior falho e teimoso, domado como um cavalo xucro que não aceita muito bem o domínio das rédeas, às vezes fica tentado a dar uma escapulida, e saindo pela tangente por repetidas vezes acabo agindo conforme a minha vontade carnal, mesmo que seja aquele ato algo pelo qual sinto eu nojo e tenho imenso repúdio. Essa é a condição humana, suja e rastejante de pecador egoísta, que desconhece ou simplesmente ignora em troca de momentos de prazer o poder da sua força interior e de sua capacidade cerebral que supera qualquer conduta prepotente e má.

Exatamente por esta razão é que declaro ser um assassinato à própria integridade dar ouvidos demasiadamente a estranhos, pessoas que chegam como uma tempestade de verão e mexem com suas bases teóricas firmadas na fundação da sua vida, e conseguem lhe vendar os olhos, cegar a alma, calar a consciência, lhe hipnotizam vendendo ideias. Mas, o que são ideias? Ideias são como pedras rolando do alto de uma montanha qualquer, pode parecer estranho imaginá-las nesta perspectiva tão ousada e até mesmo perigosa, um risco, uma ameaça à nossa castidade não só física como também moral, haja vista que ideias são pequenas bombas carregadas de pólvora plantadas nas brechas de cada cérebro programadas com tempo cronometrado para detonarem: ideias são completamente manipuladoras. Invenções ousadas da nossa mente, assemelham-se a um agitado enxame de abelhas que podem nos tirar da zona de conforto e causar medo, assim como as pedras rolando podem esmagar qualquer um que esteja pela frente. Assim são as ideias, perigosas e audaciosas. Confesso que certos devaneios se revelam verdadeiras pérolas (no sentido pejorativo da expressão), por se tratarem de fantasias completamente malucas e sem nexo. É perigoso se deixar seduzir por ideias, já que cada cabeça é uma sentença, e cada pensamento único moldado de acordo com as experiências de vida de cada indivíduo, que pode ou não ter trilhado por caminhos que são os ditos corretos pela sociedade que aí está. Enfim, ideias podem ser completamente perigosas, espadas de dois gumes que cortam tanto na ida, quanto na volta do golpe ministrado. Podemos até tolerar os temperamentos e certas atitudes das pessoas, mas tolerar ideias me parece uma procedimento completamente ridículo mediante ao que foi exposto, e sem contar que é completamente absurdo crer na ficção de um mundo onde todos estão ligados por uma série de pensamentos e crenças iguais onde a variedade e a diversidade com certeza deixariam de existir, uma vez que é a quantidade exorbitante de formas diferentes de se pensar, agir e se comportar de cada povo, pessoa ou grupo que faz com que a riqueza cultural exista e seja mantida viva, se perpetuando por milhares de gerações futuras se consolidando no tempo, sempre sendo mudada e moldada de certo modo, mas sem perder a sua essência principal, seu cerne e sua identidade, ou seja, aquilo que num primeiro momento lhe possibilita identificar de imediato de qual forma de pensamento ou tipo de cultura se trata. A mudança se faz presente e até necessária, entretanto mudar por completo a ponto de perder a sua característica mais célebre e marcante é algo que chega a beirar o ridículo.

Saindo um pouco do mundo das ideias e indo em direção a uma questão mais ampla e complicada nos dias atuais: a confiança, noto que esta, apesar de ser um ponto mais conciso e profundo, pode estar intimamente ligado à primeira, já que se confiar numa ideia pode se revelar uma opção perigosíssima, uma condenação ao suicídio eu diria, principalmente se você é ingressante novato nas emblemáticas questões, ciladas e dilemas da vida que nos deixam muitas vezes a ver navios. Nunca confie sem antes confiar em sua intuição. Revelada à luz do sol, a minha sombra se destaca ao chão sujo e irregular, típico dos caminhos duvidosos por que caminho e me arrisco a passar. E cá pra nós, nem em minha própria sombra posso me apresentar digno de confiança, dado que ela desaparece caso o sol venha a se esconder dentre as nuvens e me deixa sozinho e desamparado, ela me mostra que mesmo estando comigo, não posso dar-lhe o ar da graça. Será que cada esquina esconde um segredo e cada um destes, me aguarda ansiosamente para que haja assim o início de uma história? Não sei, sinceramente não sou muito crente no acaso e em suas artimanhas para nos arranjar situações quaisquer que sejam elas, entretanto, busco criar a minha própria sina a partir dos meus desejos e planos que vou colocando em prática, a partir da força de minha vontade, para que lá na frente, caso algo de errado, eu não poderei culpar ninguém, sendo que tudo foi feito e arquitetado por mim mesmo. Mesmo que eu não possa confiar nas ideias e venha a desconfiar até de mim mesmo, acaso eu esteja confiando demais em atalhos e deixando a cargo do destino o controle da minha vida. Começa aí o declínio de qualquer ser humano. Uma vida sem propósito é uma vida sem motivações.

Sinto medo de que meus temores mais ocultos, e principalmente os mais aparentes venham a se tornar reais um dia, e talvez por estar assim ansioso e pensando incansavelmente nestas possibilidades que me roubam a paz, é que eu venha a desmoronar como castelo de areia quando estes momentos realmente chegarem, por que eu me entreguei a total a estes pensamentos, passando a viver como se eles estivessem ocorrendo, fazendo assim com que se realizassem, dado que ao invés de trabalhar para que eles só existissem de fato no mundo ilusório das imaginações, eu me entreguei as seduções do medo e do pânico, ao passo que deveria me preparar para eventuais contratempos, ao mesmo tempo em que dava o melhor de mim, ou seja, vivendo para que os sonhos se sobreponham aos fracassos, e que eu pudesse vencer a cada dia o medo de atirar dardos, ou a insegurança de lançar os dados. Parece um pouco estranho imaginar que talvez amanhã eu possa não mais existir, e assim por consequência, deixar de deleitar-me sob o sol e descobrir formas nas nuvens que se decompõem a cada segundo no céu como pingos de chuva que encharcam a terra e logo se evaporaram de novo. Fatos como este de que sairemos todos mortos desta passagem chamada vida, pode parecer um pouco frustrante se passarmos a viver como mortos desde já ao pensar que não valerá a pena buscar ou realizar sonhos haja vista que não levamos nada daqui. Mas, como assim? Este pensamento já mata a minha alma por completo. E as coisas maravilhosas que podemos construir, e os legados célebres que podemos e devemos deixar para as gerações futuras saberem que alguém que veio antes pensou neles e em suas existências e se preocupou em deixar-lhes algo de bom e construtivo de que de algum modo, seja por mínimo que possa ser, consiga transformar o mundo em um lugar melhor para que pessoas melhores vivam e se multipliquem. Às vezes acho que eu já acreditei numa ilusão qualquer, e assim, eu não aceitei uma ideia, mas pior que isto, passei a viver uma.

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