Calabouço Do Medo

Quando eu era mais jovem, já nos instantes finais de minha infância e despedindo-me da doce ambiência daquela primeira juventude, para então ingressar no conturbado mundo da pré-adolescência, onde eu passaria então a respirar novos ares e sentir os amargos sabores de cada novo conflito tipicamente característicos desta fase da vida, eu era alguém completamente alheio ao funcionamento do mundo real, até então, bastante imaturo e inapto demais para poder me esquivar das armadilhas que estão ocultas e espalhadas pelas curvas da vida. Eu era ingênuo a ponto de sentir falta de algo ou alguém (que não sabia descrever com exatidão quem ou o que era), crente de que com isso, finalmente iria e poderia me sentir completo, visto que acreditava estar de certa maneira inconcluso e inacabado e que a partir de então, seria necessário buscar pessoas aos montes de acordo com as necessidades do momento, para me preencher e ocupar cada vazio que surgisse ou que já existisse interiormente. Porventura, por me basear naquele velho mito grego, que diz nascermos com a alma pela metade, e ao decorrer da vida encontraríamos a outra parte, e afinal seríamos plenamente felizes por enfim ter encontrado a nossa alma gêmea. Por muitos anos acreditei nisso, quiçá, com maior intensidade na puberdade, o que acabou se estendendo um pouco por alguns anos após essa época. À partir daí, precários anos me bastaram para que percebesse com mais clareza o quanto a natureza humana era e poderia ser perversa e cruel, e poucos eram os corações que reservavam algo de bom para compartilhar conosco ou oferecer aconchegante abrigo sem cobrar nada em troca, e tal descobrimento rompeu de vez por todas o cordão de restrição que fazia divisa entre a minha inocência de criança e a realidade dos fatos. De modo semelhante a uma afiada farpa de vidro que rasga um frágil pedaço de tecido ou couro qualquer, a vida e as suas verdades destrincharam sem piedade esta pureza da qual ainda deixou em mim resquícios preciosos, que apesar de vagos, ainda prevaleciam e resistiam pairando sobre a minha personalidade em formação, aos trancos e barrancos, agonizando dentre meio os conflitos externos e internos que se revelavam às vezes aos montes e de forma repentina.

Sofrimentos foram vários, até que pude em suma perceber e compreender o quanto a vida vale realmente à pena e se mostra maravilhosamente esplêndida, à partir do instante em que pulamos o muro da hipocrisia, em achar que é compensatório pleitear migalhas de afetos e mimos alheios quando na verdade, a pessoa que nos menospreza não está nem um pouco preocupada e interessada em dar uma oportunidade para que seja escrita e traçada uma possível história com final feliz, dando à mínima importância para o valor, tal como o significado que estas pequenas coisas possuem nos dias atuais, uma vez que finais felizes já estão se tornando minguados e difíceis de ocorrer até mesmo nos filmes de romance e nas telenovelas. O que é verdadeiro? O que ainda de bom perdura resistindo às duras investidas do tempo sobre as sociedades e mentalidades? O quanto o sentimento humano se resfriou e perdeu utilidade, como se estivesse sob posse de um vírus poderoso, posto que milhares e milhares de indivíduos por aí estão ocupados demais inflando seu ego, inferiorizando aqueles que de modo literal, cegamente se humilham aos seus pés sem perceber o quão idiotas estão sendo. Não há mais respeito no trabalho. Não se enxerga mais dignidade perambulando pelas ruas. Já não há mais mensagens de amor veiculadas nas rádios, por pedidos oriundos de ligação telefônica. Quando descobrimos que basta uma decisão sucinta e sincera, fazendo um trato justo com nós mesmos, para que consigamos nos tornar livres de quaisquer sentimento egoísta que possa nos tomar o controle, é que nos desconectamos totalmente de certas crenças fúteis, pessoas tóxicas, coisas ruins e cargas negativas, passando a ter novas e maravilhosas atitudes completamente contrárias às anteriores, que só nos atrasam ao invés de fazerem somar algo de bom em nossa vivência.

É válido ressaltar ainda, que essa decisão de sermos e principalmente estarmos felizes, sentindo-nos realizados e na plenitude da paz, mesmo estando diante à milhares de problemas que podem nos afligir e parecer sem solução ou saída, depende única e exclusivamente de nós mesmos. O primeiro passo é sempre o seu, independente do que aconteça. Ninguém poderá dá-lo por você, então, esteja sempre ciente de que o seu estado emocional depende quase que completamente de você mesmo, sendo que as influências externas colaboram muito pouco para que você se sinta triste ou consternado. Felicidade é um estado de espírito do qual não há preço que pague, não há dinheiro ou riqueza alguma que possa se equiparar à satisfação que este estado emocional tão precioso e escasso nos dias atuais pode proporcionar para o indivíduo. As frustrações do dia a dia podem sim consumir boa parte de nossas energias e devorar por inteiro alguns planos e metas a serem seguidas. O ideal é que cumpramos tudo como foi pensado e arquitetado, seguindo à risca as exigências que regularmente fazemos a nós mesmos, ademais, sabemos que não é bem assim que funciona, nem muito menos neste tom que a banda toca, e é aí que precisamos estar preparados para os contratempos e possíveis fracassos que possam vir a ocorrer pelo percurso desta longa estrada. Pedras podem ser a causa de nosso tropeço, buracos a causa de nossa queda, todavia, frequentemente não estamos a esperar nem sequer cogitamos esta ideia, em consequência de nos apegarmos demais à uma imagem de perfeição onde tudo dará certo, e nos fixamos demais às expectativas criadas esquecendo que estamos nos dando com a vida: um evento aleatório e imprevisível. As expectações, são como sombras que se desmancham com a ausência de luz. Crer nelas, é como dar um grito no alto de um desfiladeiro e esperar uma resposta diferente do seu próprio eco.

Não obstante, sou fraco, falho, vago e sem estrutura emocional suficiente para estar acima destes fatos aos quais estou sujeito, e por tal motivo, caí em reincidência. Assim, sem mais nem menos, desapercebidamente; quando eu me dei conta de tudo, já havia desabado na própria armadilha que criei em minha mente com o propósito de que os inimigos e ameaças que declaram o tempo todo guerra ao meu emocional, fossem capturados e barrados. O tiro saiu pela culatra. De modo semelhante à alguém que desperta de um pesadelo suando frio e com palpitações dentro do peito, num dado instante em que perdi de certo modo a conexão com a realidade e deixei que a razão fosse aos poucos se dissolvendo em meio aos medos, lembranças de um passado obscuro e tristezas dentro de mim. Conectei diretamente, em rede sem fio com a irrealidade, num ambiente onde predomina a antigravidade, que é o meu mundo imaginário. Talvez, seja por esta razão que os tombos que tomo aqui fora doem tanto fisicamente, haja vista que estou sempre viajando em meus delírios mais prazerosos, flutuando dentre meio desejos que só são concebidos na minha imaginação e que poderiam se tornar um escândalo caso fossem vistos ou relatados para as pessoas do mundo real. E desta forma, acabo por crer num universo que não existe: esta esfera existencial que eu mesmo criei e dei vida, dei forma, atribui significado, ambiente no qual me isolei internamente, ao mesmo tempo existindo entre dois mundos, tentando mas não conseguindo tirar ao mesmo tempo as duas faces de uma mesma moeda, em virtude de que tal fato não condiz nem um pouco com a atmosfera por vezes podre e fantasiosa que está protegida pelo meu crânio.

Foi como se de repente, eu abrisse uma janela, que há muito se fechou e ficou trancada dentro de mim, e que por algum motivo que não sei detalhar, ou por falta de oportunidades, não conseguia mais arrombar ou forçar a trinca para ter acesso ao mundo maravilhoso que estava do lado de fora, que apesar dos desprazeres, embora houvesse a existência dos contratempos, do vento frio e da chuva, do inverno rigoroso e dos insetos que me picavam durante a noite, ainda assim era um mundo muito melhor do que este no qual permaneci tanto tempo confinado sem saber ao menos para que lado andar, uma vez que podia me mover apenas em duas dimensões num cárcere e privado de tamanho limitado, numa masmorra, uma solitária minúscula em que eu caí sem poder ter a chance de reivindicar a liberdade ou até mesmo de argumentar e expor meu ponto de defesa, sem ser ouvido, sem ser sentenciado justamente, tranquei-me neste cômodo úmido e apavorante, acabei me tornando, mesmo sem  querer  ou perceber, meu próprio malfeitor e carrasco.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Crie um site ou blog no WordPress.com

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: