Não ouso de forma alguma me esquecer dos primeiros ditados que foram inseridos em minha imaginação, nem das muitas meias verdades que me enfiaram goela abaixo, e eu acabei acreditando. De modo algum, ou sob quaisquer circunstância que seja, arrisco deixar que tais memórias se percam, afinal, elas são uma das poucas preciosidades que uma pessoa pode de fato ter enquanto vive, e levar consigo vida afora, sem que alguém as roube ou tente violá-las de algum modo, ao lhe abordar na rua tendo uma arma em punho. Por isso, se eu pudesse algum dia voltar ao passado, não me ocuparia tanto em corrigir erros tolos que me custaram alguma coisa ainda mais inútil, na qual depositei muitas expectativas que no fim das contas, se revelaram ser em vão. Talvez, esse seja o grande erro (senão o maior), querer corrigir os desacertos que ficaram para trás. As falhas são intercessoras em nossas vidas, se acaso elas não existissem, não haveria também sentido, nem muito menos lógica na história, uma vez que a existência está sustentada sobre essa perspectiva: errar para se aprender. Erro após erro é que vamos aprendendo a ser humanos, somos apresentados e nos acostumamos com ela desta forma, desde que nascemos até morrermos. Por tal motivo, é que não perderia a chance (se acaso ativesse), tentando alterar o inalterável. Ao invés disso, de ficar quebrando a cabeça, buscaria reviver cada um daqueles valiosos momentos que me foram debitados com o passar do tempo. Enquanto a areia escoava pela estreita passagem da ampulheta, eu brincava e vivia como se desconhecesse que um dia, toda esta areia estaria na parte debaixo do compartimento, evidenciando assim que o tempo havia se esgotado, e seria hora de se despedir da luz. De certo modo, ainda não me despedi da luz num sentido que diz respeito à morte, no entanto, declaro que sinto falta da lucidez daqueles tempos remotos, já que a escuridão que retrato aqui, tem dimensões muito mais amplas e sérias. O ato de viver é tão sofrido e vazio quando não se consegue ser feliz com a intensidade de antes, eu gostaria é de ter isso de novo, parece que os desgastes que experimentei, um a um foram retirando de mim uma pequena parcela da felicidade e de vitalidade, formando em meu interior uma cratera imensa repleta de vazio ao qual já não se pode mais preencher, então, tudo ou todos que entram ou caem ali dentro, trazendo consigo a intenção de preenchê-lo de algum modo, imergem para as profundezas desta escuridão sem fim, sendo violentamente engolidas. Muitas pessoas são lugares desconhecidos, desconectados, contendo um grande vazio dentro de si.
Disseram-me certa vez, que o gato possui sete vidas, tendo assim motivos a mais para se arriscar e se expor a riscos (mesmo que ele não faça a mínima ideia disso), duvido! Entretanto, é o que me foi dito e repassado desde criança e sendo assim, por hora, quiçá o melhor seja não questionar esse estranho ensinamento. Quem sabe, tal preceito fosse apenas um artifício (vago e muito cru) para quebrar de alguma forma meu senso crítico desde criança, perpetrando para que eu absorvesse tais crendices e ditos populares já enraizados no meio em que fui criado e concebido, com o propósito de que eu não questionasse tanto o “porque” das coisas ao meu redor, o “por que não” de uma resposta negativa que me fosse dada, e o “qual a razão” desta lógica fixa na realidade funcionar como funciona, que atua nela tal como um processador opera em um supercomputador. Entretanto, seria maravilhosamente insano se de fato eu pudesse me arriscar sem medo de morrer ou me ferir, por possuir outras vida me aguardando caso esta se findasse. Mas não há como, e talvez, seja esse o caminho para viver bem estando plenamente realizado e sentir-se preenchido: aceitar que a vida é só uma, e parar de perder tempo imaginando outras coisas que não essa verdade incontestável, que por hora nos basta.
Mazelas e recordações dos tempos de menino. Foi só um evento passado, uma cena terminada, e uma fase concluída, um processo encerrado. A ciência não pode me devolver isso, nem tampouco a matemática pode me apresentar uma fórmula capaz aliviar a saudade, nem a química desenvolver uma droga que possa me fazer esquecer certas coisas. A natureza também não vai me devolver nada disso, vai contra as próprias regras do jogo. O tempo, como bom carrasco que é, me castiga permitindo que as lembranças continuem vivas e posteriormente se transformem em saudade, tendo que conviver e aprender a lhe dar ao mesmo tempo com a cronologia dos fatos, que são na maior parte das vezes trágicos e dolorosos. O futuro chegou e trouxe novos ares, novas paisagens e novos desafios. A partir daí, com a chegada da idade, o advento das consequências dos atos, com a responsabilidade batendo à porta, e a ansiedade colado à mim quase que o tempo todo, o acúmulo de experiências e cargas negativas foram coisas inevitáveis. Então me pergunto, já estagnado no tempo sem a pretensão de me exceder demais e carregar os fardos adjacentes que peguei para carregar: e se houvesse realmente outras vidas? Seria meu portal para o paraíso, ou o ápice da loucura? Responder a tais questões é extremamente complicado, uma vez que quando se mergulha no mundo dos sonhos, nas criações da mente e no cerne dos desejos profundos, estamos adentrando uma área bem delicada e sensível. Quando realidade e imaginação se misturam, há uma vivência saudável, à partir do momento em que uma passa a invadir o espeço da outra, temos aí um grave problema. Mas, e se? Supor coisas faz parte do meu cotidiano, e quem sabe não seja um dos fatores que me fazem sofrer tanto emocionalmente? Decepcionamos a nós mesmos, por intermédio de falsas expectativas criadas. E modéstia à parte, eu imagino milhões de coisas, sou um real sonhador!
Sete vidas. Se eu tivesse, piraria de vez, suponho! Visto que em apenas uma existência, por vezes me sinto indisposto em sair pela porta da frente e encarar primeiramente os raios de sol queimando minha pele e cegando meus olhos, e depois, o resto do mundo e da vida que está aí fora pronta para me dar rasteiras, e querendo ou não, dependo de cada elemento destes que me rodeia, mesmo que desejando poder me isolar numa bolha onde só exista eu e aquilo que amo, ou quem eu permitisse entrar. Isso é a utopia de cada um, que surge à partir das experiências que se experimenta individualmente. Parece que estou buscando algo de que me recordo vagamente, de maneira quase que imprevisível, sem me dar cem por cento de conta da memória em questão, parece que quero surfar na crista da onda, mas, esta onda que cito aqui, é uma série de paranoias e problemas compilados em forma de um mar tempestuoso e vago demais, sendo que navegar nele é uma declaração de suicídio, então, sob a condição de surfista encontrei um modo único de me refugiar do contato direto com estas marés de azar e ondas de pânico que me cobrem a superfície, molhando meus pés nesta enseada de inseguranças… e eu ainda desejando ter outras vidas!
Outra coisa que me ensinaram, é que é mais válido ter um pássaro na mão do que dois voando. Neste caso, eu concordo em grau. Dado que a vida é um episódio muito mais complexo e improvável do que o lançamento de dois pequenos dados numa mesa redonda de truco, e que a aleatoriedade de cada fato possui um valor incalculável, que nossa mente não consegue chegar a tal raciocínio e dar uma resposta precisa ao corpo e à visão, para que cada passo seja dado de forma incrivelmente perfeito. Em se tratando de viver neste mundo, nada é perfeito, não existem verdades absolutas, uma vez que a verdade já é uma incógnita equívoca. De onde viemos? Existem apenas teorias aceitas, nada que possa ser provado com exatidão. O que mais vejo no dia a dia é o que é verdadeiro contrastando com aquilo que é falso. Cada pessoa é um mundo à parte, girando num universo próprio e numa sintonia única. Pensamentos ganham asas e voam, à partir do momento que o lançamos aos quatro ventos, aos quatro cantos. Falas se destacam e momentos se eternizam quando somos nós mesmos e fazemos da melhor forma aquilo que sabemos fazer. Feitos se tornam históricos e inspiradores. Entretanto, a essência do ser enquanto pessoa permanece única, sem que haja posteriormente algo que seja igual, semelhantemente a um livro que carrega apenas uma história excepcional, um conteúdo exclusivo, uma informação singular! É o que somos, cada um é um livro e nesta biblioteca gigantesca ilustrado pelas histórias e contos de vida, tudo está fora de ordem alfabética. Somos alvos fáceis demais enquanto habitarmos uma parcela deste mundo obscuro e selvagem que nos cerca. Sendo assim, já estarei ocupado demais tomando o posto de ser vivente nesta era e dimensão, para querer me preocupar ou desejar uma outra vida que não esta, ou que venha após essa. Por hora, deixarei estritamente atribuído aos gatos o direito de ter sete vidas.
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