Estou aqui, todavia, meu desejo interior revela-se antagônico ao real episódio que se desponta: anseio estar em um outro lugar que não sei definir com palavras grafadas ou faladas a sua localização ou endereço preciso, onde, todas as bagagens que carrego e as lembranças que permeiam minha imaginação (pelo menos as ruins), não estejam comigo, nem acompanhem-me onde eu for. Enfim, sinto falta de uma lista extensa de coisas, eventos e sensações que o tempo engoliu, como um leão faminto que abocanha a carne de sua presa, quase engasgando, sem nem se quer mastigar ou dar uma pausa para respirar. Sinto falta dos domingos ensolarados, onde deliciava-me na areia quente do quintal, sendo que a vida era apenas uma brincadeira, algo inquestionável aos olhos inocentes de uma criança, que desconhecia o quanto mundo era mal. Sinto falta da comida da mamãe, do tempero da vovó e dos seus abraços, que não são mais possíveis de receber, uma vez que o muro invisível da morte nos separou. Pressinto os ensinamentos de meus pais, que apesar de ainda tê-los vivos, não posso estar presente com a mesma celeridade de antes, em função das tarefas presentes, da demanda da vida, suas responsabilidades e anseios, e claro, da distância amarga que nos separa de quem amamos. O tempo é a extensão mais desprezível que existe, porquanto, tem como álibi a saudade, sentimento maldito que nos devolve apenas ilusões e fragmentos de memória estilhaçados, mas não nos permite reviver a sensação em si, com a intensidade desejada. O tempo, é a pimenta no olho de quem enxerga o paraíso e busca em vão alcança-lo. O tempo, é a chave perdida que não possui uma cópia. O tempo, é a pitada de esperança que tempera a existência, porém, não pode ser saboreada. O tempo, é a redundância do inexistente.
O que vi da vida até o instante atual, deixou-me um tanto quanto perplexo e assustado. Mas, o que esperar de um fenômeno que está recheado de surpresas e mistérios, dos quais muitas respostas não posso obter, nem através das ciências, nem por meio do pensamento apurado, sendo que, não porto um manual da existência, que foi-me entregue desde o nascimento, para que eu pudesse saber exatamente como lhe dar com ela. Lamento dizer que procuro diariamente as respostas. Sim, isso mesmo, lamento! Compreender as coisas que rodeiam-me, as pessoas com as quais convivo, e conciliar tudo isto com o bem estar da minha psique que, vira e mexe afunda-se em mágoas profundas como um navio à deriva em alto mar, que choca-se contra um obstáculo qualquer que perfurando o seu casco, permite que a água entre com tremenda violência e o leve direto para um mergulho sem volta à superfície, não é tarefa fácil. É difícil imaginar-se completamente feliz e realizado, sendo que os eventos que se sucedem quase todos caem-me como uma pedrada na cabeça, desnorteando-me justamente no momento de maior confiança, tirando-me o foco de visão, roubando minhas forças, lançando-me contra o chão, quando eu estava novamente preparado e recuperado de um colapso anterior, ansioso para dar um passo à frente rumo ao destino que almejei, para onde fixei e investi todas as minhas atenções.
Medo. É o que sinto, uma vez que, cada passo que dou, imagino que será o último, que será em falso, ou ainda, na pior das hipóteses, irei pisar sobre um campo minado qualquer que cruzou meu caminho. Triste coincidência. Viver, é como apostar cotidianamente a única ficha que lhe resta nos bolsos, convencido de que irá tirar a sorte grande e acertar a combinação correta de caracteres. Que pena, infelizmente isso não acontece!
Gostaria de experimentar uma aventura, uma exceção concedia excepcionalmente para que eu possa transgredir as leis universais, onde as minhas emoções fossem exaltadas ao máximo, ou até além de seus limites, será que eu estaria preparado? Não sei, na verdade, não sei quase nada. A extensão da realidade não cabe em minha mente limitada. Entretanto, desejaria que tal aventura possuísse regras mais brandas, ou melhor, que nem possuísse um conjunto de normas e padrões repetitivos e detestáveis, uma condição de existência onde não houvesse medo dos erros e nem a expectativa dos acertos, por que isso já vivo no universo ao qual fui entregue, pelos desafios aos quais sou submetido. Diferentemente da vida que levo, essa concepção, acompanhada de seus delírios, desejos e sonhos fogem e passam à quilômetros de distância das regras da física, dos conjuntos da matemática e da precisão da lógica. É um paradoxo perfeito! Me agrada pensar nele. Talvez por isso, desejaria ao mesmo tempo não ter mais sonhos, já que neles, me são concedidos todas as liberdades e maluquices possíveis imagináveis e inimagináveis, fabricadas e despachadas diretamente em meus pensamentos mais sujos, vorazes e carentes, e à noite, no meu estado mais vulnerável, o cérebro, a máquina mais complexa e bem desenvolvida que existe, num tom de ironia, se vê no direito de brincar com meus sentimentos, e me dá o desgosto de realizar todas as minhas fantasias que no mundo real, não possuem alvará ou autorização para ganharem “vida” e notoriedade. Eventos múltiplos, sincronizados e bem aconchegados, como numa teia de arranha, são tecidos um a um, arranjados e rearranjados, minha mente ministra uma cena trágica e dramática, no qual eu sou o personagem central, movido para lá e para cá como uma marionete manipulada por dedos ágeis e experientes, o maestro da orquestra, a mesma que toca num tom intenso e melodramático, é o cérebro, este aliado e vilão, amigo e inimigo, que ora está ao meu lado, ora, do lado contrário. E é nos sonhos que ele se revela opositor e carrasco, que sabe ministrar muito bem as suas armas contra seu alvo. O teatro dos sonhos é um palco sagrado e, ao mesmo tempo amaldiçoado, depende das perspectivas de quem o pisa.
Vejo vultos, sinto medos, o prazer é exaltado, a maldade cai por terra, a donzela amada é-me concedida sem dificuldade alguma, voar é possível, trazer pessoas de volta à vida é algo fácil, mover-se de um continente a outro é moleza. Lugares dos quais nunca estive, terras que nunca pisei, casas que nunca habitei, mundos que nunca antes conheci, são formados e transformados em questão de segundos, contrastando-se às coisas com as quais já tenho costume e afeição. As cores se misturam e o cenário se distorce, e eu, paralisado e inconsciente, vou embarcando nestas viagens que chamamos sonhos ou pesadelos. Estou à mercê do inconsciente. Meu coração dentro do peito se comporta de maneira rebelde: acelerado e atônito, pobre coitado é mais uma vítima do cérebro, o portador da inteligência, o centro de todo controle. É uma trágica realidade quando este, se volta contra nós. Enquanto o coração, subordinado e submetido às ordens superiores, é controlado por hormônios que o aceleram ou desaceleram ao sabor das circunstâncias, de acordo com a vontade do encéfalo, meu maior arque inimigo nessas situações às quais sou submetido sem condições alguma de defesa.
O maior medo de quem está sonhando é acordar, ele não existe conscientemente, mas, já me fartei de chorar por despertar de sonhos onde ocorriam situações que almejo muitíssimo enquanto acordado. Passar da fantasia para a realidade, transitando entre o portal invisível do mundo exterior cheio de limitações, e o mundo ilusório dos sonhos onde tudo é possível, é uma tarefa árdua para mim: eis que o teatro das emoções chega ao seu auge, e conciliada com os pensamentos adormecidos no inconsciente, afloram-se num nível de excitação que supera o do álcool, dos orgasmos extremos e o da extraordinária felicidade. Minhas sinceras lamúrias ao que foi anteriormente narrado, mas, calar-me, seria como aceitar suborno do meu imaginário, e deixar que morram comigo as paranoias que podem também existir em outras cabeças, os medos que muitos sentem, os prazeres ocultos que muitos escondem e dão a própria vida como apólice de seguro para esconder às sete chaves estes desejos sórdidos. Calar-me, significa aceitar a subordinação do mundo, indo contra minha própria natureza. Calar-me, seria morrer enquanto vivo, desfalecer enquanto luto, e vegetar enquanto respiro. Bem-vindo à minha mente!
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